A mais pequenina

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Princesa

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

AVE MARIA

Neste final de ano, quiçá dos mais complicados da nossa história recente, e precisamente porque ainda nem sequer começou o de 2011, que parece não trazer nada de melhor, deixo a quem tem tido a paciência de me ler, os votos de Boas Festas e, dentro do possível, um bom Ano Novo. (Nunca este voto foi tão paradoxo!)

As coisas não estão bem neste Portugal feito de uma História riquíssima e que teimamos em não ensinar aos nossos filhos de uma forma mais profunda. Mas é por causa dela que sinto que daremos a volta por cima.

Que seremos capazes.

Mas sinto e sei – todos sabemos – que há muitos que sofrem e choram.


E o drama aumenta e adensa-se porque não conseguimos o milagre de a todos acorrer. De a todos ajudar.


Fica a intenção.

E algo que se vai fazendo.


E a vontade de estendermos a mão sempre que possível.


E o coração a quem precisa de uma palavra amiga.


Para todos os amigos que por aqui passam deixo a serenidade e a paz de uma Avé-Maria cantada às “ordens de André Rieu”.


Não é preciso acreditar para se ouvir e sentir a mensagem.


Não é preciso acreditar para juntos todos fazermos algo de bom pelo outro.


Mas é bom acreditar



António Rodrigues







sábado, 18 de dezembro de 2010

Kika e o escritor de sonhos

Era uma vez uma andorinha que vivia muito feliz com as suas irmãs e amigas.

Ela gostava muito de voar! Ora fazia piruetas no ar, ora voava rentinho ao chão, para logo a seguir subir, bem lá para cima, parecendo que queria voar até ao céu...

Voava com as suas quatro irmãs. Todas tinham nascido num ninho feito de barro,

debaixo do telhado de uma pequena capoeira, no quintal de uma casa.

Ah, como ela gostava de brincar!


Voava baixinho, junto do galo, das galinhas e dos patos, que ocupavam todo o quintal, e cantava para eles… Todas as andorinhas por ali andavam a chilrear, durante todo o dia, alimentando-se dos insectos que apareciam à volta dos patos e das capoeiras.


As andorinhas ouviam muitos avisos da mãe e do pai… Estes, preocupados, passavam o dia ao seu lado, voando, chilreando e ralhando:


− Tenham cuidado! Tenham juízo! Não voem tão depressa! Ainda se podem magoar e partir uma asa...


No quintal, os donos da casa, faziam uma grande festa quando por lá aparecia a Kika. E que festa! Eram os avós babados de uma neta bonita que mal sabia andar, tal como as andorinhas, que voavam há tão pouco tempo...

A pequenita, a tentar equilibrar-se no seu andar, passava o tempo a brincar com os patinhos e com as andorinhas.

De vez em quando, a Kika levantava os braços no ar, tentando agarrar as andorinhas...

E estas, que também queriam brincar com ela, voavam tão perto da sua cabecita que quase paravam em cima dela.

Estávamos em plena Primavera e a alegria abundava naquele quintal, onde as macieiras e as pereiras se enchiam de flores e de muitas abelhas, suspensas sobre as pétalas em busca do pólen... A andorinha, que por ali passeava e brincava, quase poisava nas mãos da menina.

Até parecia que parava em pleno voo…


− Olá passarinho! Como te chamas? − Perguntava a Kika à andorinha que, chilreando, lhe respondia:

− Sou a Teté, e tu?

− Eu sou a Kika.

E sempre que a Kika vinha ao quintal dos avós, havia alegria e festa, para os avós e para as andorinhas…


Os dias longos e quentes iam dando lugar aos dias mais curtos…

O Verão estava a acabar e, com os últimos dias de calor, também as andorinhas partiam. A Kika perguntava, e voltava a perguntar, pelos passarinhos, e chorava pela ausência das amiguinhas. As andorinhas voaram para longe, muito longe… Voaram, e voaram, passaram dias e dias sempre a voar…


Voaram pelos campos, pelas cidades, atravessaram o oceano e o deserto.

Iam para sul, à procura de calor e alimento, queriam chegar a África.


Cansadas de atravessar o vasto oceano, chegaram a Cabo Verde, poisaram nas montanhas íngremes de Santo Antão, uma ilha perdida no azul do mar...

O bando descansou, então, numa frondosa árvore, muito verde, com folhas grandes e frutos que pareciam melões, a fruta-pão.

Eram tantas as montanhas, tantas, tantas, que as andorinhas conseguiam vê-las do alto daquela árvore enorme…

As andorinhas voaram para o telhado de uma igreja, que tinha à sua volta muitas casinhas, com telhado de colmo. De algumas delas saía fumo.

Os meninos brincavam por ali, corriam atrás de uma bola e faziam muito barulho.


Parecia que estavam no recreio da escola. Corriam e corriam, com o cabelito muito curto e encarapinhado, tom de pele escura, muito bonitos, alguns de olhos azuis…

Nas escadas da igreja, estava um menino, muito triste que não brincava, olhava em redor e via os colegas a correr e a brincar... A andorinha Teté observava-o intrigada.

Saltitou para o chão e ficou ali parada, pertinho dele.

− Olá, eu sou a andorinha Teté! E tu, como te chamas?

− Eu sou o Joca. Respondeu tristemente

− Sabes, Teté, os meus amigos estão muito felizes a jogar à bola, mas eu sonho ser escritor. Passo aqui horas e horas, sentado, a imaginar histórias tão bonitas… Mas, à noite, quando a mãe me chama para dormir, já me esqueci do princípio da história, por isso todos se riem de mim… Dizem que sem princípio a história não faz sentido… O que eu mais queria, Teté, era ter um lápis. Assim, já podia escrever a história, do princípio ao fim, e todos acreditariam em mim.

− Eu acho que posso ajudar-te, Joca, mas tens de ser paciente e esperar uns meses…

− Eu nasci em Portugal, numa cidade chamada Torres Novas. Na casa onde eu nasci há uma menina, a Kika, que é minha amiga… Ela ainda não sabe, mas, no próximo ano, vou voltar a casa dela. A Kika tem muitos lápis, faz muitos desenhos, alguns de andorinhas… Quando eu regressar, vou-lhe contar a tua história e pedir-lhe um lápis para te oferecer. Não fiques triste, para o ano a tua história vai ser conhecida por todos. Vais escrevê-la com o lápis que a Kika te vai mandar...

O tempo passou e as andorinhas regressaram a Portugal.

Teté volta ao quintal onde nasceu e reencontra a Kika. Os olhos da menina brilham de alegria… Kika, mais crescida, continua a entusiasmar-se com as andorinhas, entretém-se com elas, gesticulando e falando.

Teté conta a Kika a história do Joca, o amigo cabo-verdiano, que aguarda ansioso o seu regresso. As duas amigas não perdem tempo: a Kika ajuda a andorinha a levantar voo com o lápis no bico. A tarefa não era nada fácil.

As duas davam grandes gargalhadas, enquanto o lápis caía no chão vezes sem conta, mas ambas sabiam que acabariam por conseguir…

Tanto treinaram que, no final da Primavera, quando Teté partiu em direcção à ilha,


Levava no bico o lápis da Kika.


Foi com grande esforço que a andorinha Teté manteve o lápis no bico durante a longa viagem. Mas, a Teté era muito corajosa e amiga do seu amigo. Por isso, nunca desistiu.


Joca, de lápis na mão, escreve a sua história, acompanhado pelo rápido compasso da dança, marcado pelos saltitos da Teté. O Joca nunca mais parou de escrever histórias. Hoje, todos o conhecem pelo nome de Joca, o escritor de sonhos.

A partir de então, todas as Primaveras, a Teté regressa a Torres Novas com histórias vindas de Cabo Verde.


A Kika lê com atenção todas as histórias trazidas pela Teté e imagina a vida daqueles meninos que têm sonhos tão grandes que não cabem naquela pequena ilha…


E foi assim, da amizade entre uma criança e uma andorinha, que nasceu a cooperação entre as pessoas de Torres Novas e as de Cabo Verde.


Um sonho que se transformou em história, uma história escrita a lápis, símbolo da esperança e do amor que existe no coração dos amigos.


António Rodrigues
Livro lançado a 20 de Novembro de 2010
Com ilustrações de Alexandra Sirgado

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Diáspora - a nossa e a dos outros

É sabido que em Portugal sempre se viveu e conviveu com o fenómeno social a que chamamos emigração. E é importante abordar e analisar a nossa emigração para melhor compreendermos a imigração que hoje se regista.

É bom sentir o que fomos, num dado contexto da nossa história, para melhor percebermos esse outro contexto da nossa contemporaneidade em que Portugal também se torna país de acolhimento.


Durante séculos Portugal foi um país em sangria constante, expedindo os seus cidadãos pelo mundo fora, consequência da sua pobreza e, paradoxalmente, da sua grandeza. Para muitos dos nossos historiadores Portugal adormeceu, anestesiado pelo viço de um comércio que prosperou em grande escala e rapidez ao longo dos séculos XV, XVI e XVII, acabando, talvez por isso, reduzindo o nosso empreendedorismo. No enquadramento político e social daqueles tempos percebe-se hoje, e bem, porque nos atrasámos face a uma Europa que, paulatinamente, se foi afirmando e desenvolvendo a uma outra velocidade, e de tal modo que no arranque da revolução industrial, ainda Portugal se limitava a colher os últimos resquícios das riquezas naturais oriundas das Áfricas, Oriente e Brasil.


E é justamente o Brasil o primeiro destino do nosso primeiro grande surto de emigração. Ainda antes de um Brasil independente, tivemos intensos fluxos migratórios com aquela que era, então, a mais activa e importante colónia portuguesa. Desde logo com toda a vasta comitiva que acompanhou a Corte no seu movimento de fuga, perante as invasões francesas, opção que muitos estudiosos vêm apontando como estratégia inteligente que garantiu a salvaguarda da independência do reino. Uma deslocação massiva das elites nacionais que moldou a face do Brasil, proporcionando-lhe uma centralidade nunca antes auferida. Foi esse processo que, após o retorno da Corte a Portugal e a subsequente independência da colónia, daria lugar a um forte desenvolvimento económico, social e político, ao qual corresponderia o auge da emigração portuguesa já em princípios do séc. XX, mais concretamente entre 1900 e 1930, em busca das novas oportunidades desse “novo mundo”, por oposição à pobreza e à instabilidade vivida em Portugal e um pouco por toda a Europa.


Fruto dos novos cuidados médicos, destacando-se a vacinação e as inovações nos processos de higiene, a Europa duplicou a sua população entre o séc. XIX e princípios do XX. O continente americano, a sul ou a norte, foi o grande receptor desta fortíssima onda migratória, ímpar na história da Humanidade. O “velho mundo” dava vida e impulso ao “novo mundo”.

Já na segunda metade da última centúria são a França, a Alemanha e a Suíça que surgem como o grande destino para os nossos emigrantes, havendo umas boas centenas de milhar que optaram por viver em Angola e Moçambique.


Depois desta autêntica síntese, de uma síntese do nosso historial migratório, será fácil perceber que é rara a família portuguesa que não tenha no seu seio elementos que foram ou ainda são emigrantes.

Ora, este pormenor é determinante para melhor percebermos toda a nossa postura face à vaga migratória que, após a concessão da independência às ex-colónias, e, mais intensamente, desde finais da década de noventa, atinge o nosso país, muito em especial a imigração oriunda dos recém libertados países de leste. Com efeito, sem esquecermos o verdadeiro fenómeno migratório do pós 25 de Abril, que caracterizou a vinda dos ditos “retornados” das ex-colónias (que muitos apontam serem na ordem dos 800 mil, embora oficialmente os números se fixem pelo meio milhão), são os naturais desses países africanos que, apesar da independência, vêm optando por viver em Portugal, perseguindo os seus sonhos em busca de maior qualidade de vida, ou por aqui passando, qual plataforma de porta aberta ao mundo.

Somos, pois, um povo habituado à dor de ver partir, um povo de diáspora, mas também habituado a receber e a acolher quem vê em nós, muitas vezes, a miragem da sua felicidade.

Somos portugueses!


Recebemos bem!.



sábado, 4 de dezembro de 2010

E a revolta dos Injustiçados?


Começa a cheirar muito mal todo o tipo de incoerências e de injustiças a que o país assiste… impunemente, assim parece.

Já não basta aquelas que aparentemente são incontornáveis ou pelos menos de resolução difícil, quanto mais aquelas que são fruto da incompetência, do oportunismo e do “xico-espertismo” de alguns políticos.

Não percebo e sinto até alguma revolta, em como foi possível que o grupo parlamentar do PS tivesse aceitado e votado essa escandalosa isenção de impostos a aplicar aos dividendos antecipados da PT, Portucel, Jerónimo Martins, entre outras. E com essa postura, ao que parece, terá arrastado a posição do PSD que, diga-se, também não fica nada bem na fotografia.

Então, a lei só se aplica a alguns?

A crise não é para ser suportada por todos de forma equitativa?

E a coerência da matriz identitária do PS?

Se ela não é bandeira em tempo de crise, então, quando o será?

Onde pára a veia humanista do PS?

E nem quero acreditar que a posição socialista tenha a ver com a proveniência da proposta. Não me parece que ela tenha perdido oportunidade e justiça social, só porque proveniente da CDU...

Mas esta situação gera outra ainda mais grave e que esmaga por completo aquela que já por si é miserável e nula: a imagem e a liberdade da acção política dos deputados, diga-se, que generalizada a todo o parlamento. Quando nestes assuntos tão sérios e profundos, que colidem com os princípios e a génese política de alguém supostamente militante partidário, eleito precisamente com base nesses princípios e, na hora da verdade, tem que os ignorar e, mais do que isso, votar contra a sua vontade em detrimento da vontade das cúpulas, há que perguntar: para que serve o parlamento? Para que serve votar?

Para ratificar a vontade das cúpulas e chefias?

Para que servem os partidos e os seus militantes?

Para eleger lideres e depois ser-lhes subserviente, andar com eles ao colo e ser escravo das suas vontades?

Eis a deturpação de toda a lógica da representatividade democrática.

Uhm! Isto não está bem! E cheira mal!

Não há nesta decisão qualquer equidade e justiça social e ainda sobeja humilhação para um parlamento, que o é cada vez menos, em particular para alguns grupos parlamentares…

A uns, aumentam-se impostos, corta-se nos vencimentos e anulam-se subsídios que agravam dramas e pobrezas. A outros, perdoam-se impostos…

Como se não bastasse, aparece agora um gesto de puro xico-espertismo do Dr. César dos Açores, que quer evitar que o arquipélago sinta na pele o que os do continente são obrigados a suportar… a crise que a todos deveria afectar. E quer fazer compensações aos ilhéus, nos cortes dos vencimentos e quejandos. Anda gente preocupada com a constitucionalidade da decisão. Que estupidez!

Então?

Se for constitucional, a atitude do homem dos Açores passa a ser eticamente correcta e moralmente aceite?

E, já agora, como apontam César como um dos eventuais candidatos a sucessor de Sócrates, por mim fiquei esclarecido. Com este tipo de atitudes, dispenso-o.

Pois, se fosse o imprevisível Jardim a lançar esta ideia, cairia o carmo e a trindade. E não basta a preocupação de Cavaco e Sócrates. É pouco! Terão que fazer muito mais, se tiverem coragem e autoridade.

E é esta que cada vez mais está ausente neste país e que, por ausência dela, nos arrastam cada vez mais para o fosso.

A mesma autoridade ou falta dela, que caracteriza essa vergonha nacional, de termos gestores em empresas públicas, quais vacas sagradas de iluminação celestial, que ganham num mês, mais do que o Presidente da República aufere em anos. Ainda há dias, uma entrevistadora da RTP, entrevistava o primeiro ministro de Portugal. Eis um bom exemplo da vergonha e do destempero a que chegou a justiça salarial que caracteriza a aplicação dos dinheiros públicos! Ou falta dela... A entrevistadora ganha o triplo do entrevistado. E, com o sim político e a assinatura do entrevistado, que só este ano transferiu 200 milhões de euros para a RTP.

Dinheiro dos nossos impostos.

Como conseguem sobrevir os canais privados? É a pergunta que apetece.

Tudo isto e muito mais que não foi aqui referido, prova que isto ainda não bateu no fundo. Ainda há muita gente a brincar com coisas muito sérias… e a brincar com o sofrimento de milhares de pessoas que, por mero acaso, também são portugueses.

Até que o Povo, o tal que elege deputados que acabam por não o ser, transforme em acções concretas a revolta que lhes vai na alma. E, infelizmente, esta não é uma expressão de retórica, que até poderá ficar bem no fim de um texto.

Não!

É o risco que se corre.

E um texto que gostaria de não ter escrito.

António Rodrigues