(Homenagem às Mulheres timorenses)
Vinda de Díli
esteve em Torres Novas uma delegação do Parlamento de Timor Leste. Eram dez os
membros, onde predominavam as Mulheres.
Aurora, deputada
da Fretilin, compunha a delegação que veio até nós para conhecer a lógica e a dinâmica
do Poder Local Português. Instalados na cidade do Almonda, dividiram o seu
tempo pela autarquia torrejana, pela de Vila Franca de Xira e, muito em
particular, aproveitaram para irem até Fátima.
Foi bom, muito
bom, tê-los connosco.
Como
sempre, ficaram muito gratos porque muito por cá aprenderam, erradamente convencidos
que com eles, nós nada aprendemos.
Nada mais
falso!
Fizemos o
nosso jantar de despedida.
No Boquilobo,
porque as enguias, para os nossos irmãos timorenses, seriam novidade. Que
ambiente mais sereno. Que gente mais simples e humilde, mas estóica,
inteligente e determinada.
Não
conseguia, ainda que discretamente, tirar os meus olhos da expressão de Aurora.
Havia algo
de especial naquela cara…
Difícil de “ler”
e de interpretar…
Ora era uma
mulher serena ora, quando falava, exprimia convicção e acção. Estavam ali uns
olhos bonitos, mas tristes.
A minha
curiosidade foi mais forte.
Perguntei-lhe:
Aurora, a senhora perdeu familiares durante a guerra?
A sua cara
transfigurou-se e Aurora agitou-se na cadeira… senti que tinha exagerado com a
pergunta e tentei recuar… Mas Aurora não permitiu, porque de imediato disse, “a
História é para se contar”. E o que sofri valeu a pena, porque hoje Timor é
livre - arrematou…
E, sem mais
delongas e sem grandes interrupções, desfiou
o rosário da sua desgraça, a razão da tristeza dos seus olhos… e da sua
alma.
Falou tão
devagar, tão pausadamente e tão serenamente!
- Sabe,
fui muito nova para as montanhas. Foi muito difícil, pois deixei o meu menino
de dois anos em casa de meus pais… nunca mais o vi, pois morreu passado pouco
tempo.
Nas montanhas, mataram o meu marido. Terá sido fuzilado…
Porque
eu tinha irmãos nas montanhas e, para nos amedrontarem, vieram à cidade matar o
meu pai, pensando que assim desistiríamos da luta.
Depois,
mataram-me um irmão e logo de seguida mais outro irmão.
Uns tempos mais
à frente – dizia com espantosa serenidade - mataram mais um irmão e, logo
depois, a minha irmã mais velha…
Envergonhado
com a pergunta que fiz, mas emocionadíssimo com a resposta que obtive desta
grande mulher, ainda tentei tirar dúvidas: a senhora perdeu sete elementos da
família?
- Sim,
sim! O meu pai, o meu bebé, o meu marido ainda jovem e quatro irmãos…
- E hoje
vivo com os meus filhos que comigo sobreviveram e estou no parlamento para continuar
a defender os valores da Nação.
Que deputada!
Com tinta de sangue escreveu esta mulher a sua dramática história. Entre muitos
outros, sabe bem o que quer, conhece bem o seu Povo e hoje é um dos símbolos de
uma nação que vive a esperança de um futuro risonho, em homenagem aos sete que,
multiplicados por muitos, perfazem as largas dezenas de milhar que caíram pela
dignidade colectiva de um Povo Nobre.
À mesa com
uma heroína soa a pouco.
À mesa com
heróis.
E nós, nada
aprendemos?…
Ai não que
não aprendemos!
Por bem menos,
muito menos, nos zangamos com a vida.
Eis a lição!
Entretanto,
Aurora licenciou-se e hoje estuda para conseguir um Mestrado.