22 de Novembro de 1991.
O dia que marcou a viragem da resistência timorense
à selvática ocupação Indonésia.
O dia da matança e da desgraça.
O dia do massacre de Sta. Cruz.
Até então, a resistência tinha vivido tempos de alguma inércia, fruto também do
esquecimento a que diplomacia internacional votou o Povo Maubere, incluindo a
portuguesa. Aqui, há que lembrar, que muitos políticos de então (daqueles
tempos, como dizem os timorenses) e que hoje estão no exercício do poder,
afirmavam sem pudor que a luta do Povo timorense era uma causa definitivamente
arrumada.
E perdida.
Os mesmos que mais tarde, a reboque dos
acontecimentos de Díli, voltariam ao terreno da diplomacia com mais força e
empenho.
E foi precisamente por causa do justificado cancelamento de uma visita a Timor
de uma delegação do Parlamento português, que tudo começou.
O Comité Executivo da Resistência havia preparado de forma estruturada, com
entusiasmo e com inusitada envolvência nacional, a sua recepção aos
portugueses.
E organizaram-se para que o mundo pudesse entender não só o sofrimento do povo,
como ainda a dimensão da revolta e do seu protesto.
Foi o desalento e a tristeza absoluta a
ausência da delegação.
Mais tarde, a 28 de Outubro de 1991, na
igreja de Motael, os jovens, aproveitando a dinâmica e a movimentação criada
para a recepção da lusa delegação, refugiam-se na igreja em sinal de protesto;
frágil sinal da revolta de todo um Povo em sofrimento, preso e humilhado na sua
própria terra...
A 28 de Outubro, os militares indonésios não perdoam a provocação e invadem a
igreja, expulsando os jovens. E mataram UM.
"Só UM"
O jovem Sebastião Gomes.
Na missa do seu funeral D. Ximenes, o Bispo,
clamou a sua revolta e, mais uma vez, reclamou a intervenção do mundo para
salvar o povo de Timor. O funeral de Sebastião atraiu milhares e milhares de timorenses
que misturavam as lágrimas da revolta, com as lágrimas da dor.
Sebastião teve como todos os cristãos, o direito à missa do sétimo dia.
Mas, em Timor, também há a missa dos quinze dias, para a deposição das flores
na campa do falecido. Momento particular do afecto de toda a população, dado
que a do sétimo dia, é mais dedicada à família de quem partiu. A resistência, atenta e ainda frustrada pela ausência dos
parlamentares portugueses, aproveitou a manifestação de dor que se expressa na
deposição das flores, para organizar um enorme sinal de protesto para o mundo.
Estariam, no entanto, longe de sonhar, que seria aquele o primeiro dia do resto
das suas vidas...
Foi na madruga de 11 de Novembro que afincadamente preparam a manifestação das
flores, conseguindo em poucas horas, a mobilização de milhares para o dia que
viria a ser o da viragem para o Povo de Timor.
Eram tempos especiais, aqueles que o mundo
vivia.
Gorbatchov dava alma à Perestroika, o muro de Berlim havia caído em 1989 e,
também por via de tudo isso, as interacções geoestratégicas sofrem mutações em
todo o mundo... Timor encontrou aqui um espaço para a luta diplomática que
antes não havia, num tempo de troca das ditaduras pelas democracias, incluindo
a Indonésia. Parecia que tudo se conjugava.
Naquela manhã do dia 12, o Povo juntou-se em Motael. Sempre Motael…
Celebrou a Missa o actual Bispo de Díli, D. Ricardo. Sebastião foi por todos
chorado e homenageado. Mas havia flores, milhares de flores, para depor na sua
humilde campa no agora mítico cemitério de Sta. Cruz... E o Povo, aos milhares,
com cartazes de protesto, seguia até ao cemitério. E um deles dizia "venham
deputados portugueses, não tenhais medo porque o sangue é nosso"
Eis aqui o porquê da simbologia de tão trágico quanto promissor acontecimento.
Já dentro do cemitério, acontece um dos maiores símbolos da barbárie a que
homem jamais deveria assistir, quanto mais permitir. A campa de Sebastião
fica mesmo lá no fundo do grande campo dos mortos. Entraram milhares para depor
as flores, mas muitos por lá ficaram, chacinados à "queima-roupa"
pelas armas dos militares da ditadura indonésia. Muitos outros, os feridos,
incapazes de fugirem, eram assistidos entre as campas...para mais tarde
morrerem com os banhos de creolina "à falta de outros medicamentos no
hospital".
Foi o drama que o mundo viu, sentiu e chorou.
Em Portugal a emoção foi ainda maior, pois vimos gente de outro lado do mundo
que morria, enquanto outros rezavam o terço a Nossa Senhora de Fátima, a Mãe de
todos os timorenses. E rezavam em Português...
O padre Felgueiras, entre outros, correu ao cemitério de estola ao pescoço e de
bíblia na mão, para abençoar os falecidos e clamar pelo fim da desgraça. Cá
fora, os camiões carregavam os corpos deixando um mar de sangue, das centenas
de filhas e filhos de Timor, que lutavam pela paz e pela liberdade. E que
morreram, na flor das suas vidas, levando com eles os sonhos da liberdade e do
amor a uma pátria martirizada.
Não fora Max Stahl, jornalista, e o mundo de nada saberia. Filmou e escondeu
junto a uma campa, a cassete do sacrifício, que acabaria por se tornar na
cassete da esperança.
O mundo acordou e olhou para Timor.
Tudo passou a ser diferente.
Timor hoje é independente e hoje comemorou o
12 de Novembro.
Onde estive.
Onde me emocionei.
Onde chorei.
Nada de mais, perante as lágrimas e o
sofrimento, daqueles que naquele mesmo espaço, perderam centenas de entes
queridos.
Nota - Portugal, mais tarde, em 1992,
teria um gesto de verdadeira solidariedade para com o Povo timorense, que
reforçou de forma incomensurável o entusiasmo da resistência, muito em
particular a dos mais jovens. A coragem de Rui Marques, de Ramalho Eanes e de
Rui Correia, entre muitos que zarparam de Lisboa, no barco Lusitânia Expresso,
para depor flores no local do massacre de Sebastião. Não pisaram terra e as
flores lançadas ao mar, mas o gesto ainda hoje é recordado com emoção e
gratidão, na terra do sol nascente, onde os portugueses chegaram entre 1512 e
1514…
António
Rodrigues
Em Díli
E organizaram-se para que o mundo pudesse entender não só o sofrimento do povo, como ainda a dimensão da revolta e do seu protesto.
A 28 de Outubro, os militares indonésios não perdoam a provocação e invadem a igreja, expulsando os jovens. E mataram UM.
Sebastião teve como todos os cristãos, o direito à missa do sétimo dia.
Mas, em Timor, também há a missa dos quinze dias, para a deposição das flores na campa do falecido. Momento particular do afecto de toda a população, dado que a do sétimo dia, é mais dedicada à família de quem partiu. A resistência, atenta e ainda frustrada pela ausência dos parlamentares portugueses, aproveitou a manifestação de dor que se expressa na deposição das flores, para organizar um enorme sinal de protesto para o mundo. Estariam, no entanto, longe de sonhar, que seria aquele o primeiro dia do resto das suas vidas...
Foi na madruga de 11 de Novembro que afincadamente preparam a manifestação das flores, conseguindo em poucas horas, a mobilização de milhares para o dia que viria a ser o da viragem para o Povo de Timor.
Gorbatchov dava alma à Perestroika, o muro de Berlim havia caído em 1989 e, também por via de tudo isso, as interacções geoestratégicas sofrem mutações em todo o mundo... Timor encontrou aqui um espaço para a luta diplomática que antes não havia, num tempo de troca das ditaduras pelas democracias, incluindo a Indonésia. Parecia que tudo se conjugava.
Naquela manhã do dia 12, o Povo juntou-se em Motael. Sempre Motael…
Celebrou a Missa o actual Bispo de Díli, D. Ricardo. Sebastião foi por todos chorado e homenageado. Mas havia flores, milhares de flores, para depor na sua humilde campa no agora mítico cemitério de Sta. Cruz... E o Povo, aos milhares, com cartazes de protesto, seguia até ao cemitério. E um deles dizia "venham deputados portugueses, não tenhais medo porque o sangue é nosso"
Eis aqui o porquê da simbologia de tão trágico quanto promissor acontecimento.
Já dentro do cemitério, acontece um dos maiores símbolos da barbárie a que homem jamais deveria assistir, quanto mais permitir. A campa de Sebastião fica mesmo lá no fundo do grande campo dos mortos. Entraram milhares para depor as flores, mas muitos por lá ficaram, chacinados à "queima-roupa" pelas armas dos militares da ditadura indonésia. Muitos outros, os feridos, incapazes de fugirem, eram assistidos entre as campas...para mais tarde morrerem com os banhos de creolina "à falta de outros medicamentos no hospital".
Foi o drama que o mundo viu, sentiu e chorou.
O padre Felgueiras, entre outros, correu ao cemitério de estola ao pescoço e de bíblia na mão, para abençoar os falecidos e clamar pelo fim da desgraça. Cá fora, os camiões carregavam os corpos deixando um mar de sangue, das centenas de filhas e filhos de Timor, que lutavam pela paz e pela liberdade. E que morreram, na flor das suas vidas, levando com eles os sonhos da liberdade e do amor a uma pátria martirizada.
Não fora Max Stahl, jornalista, e o mundo de nada saberia. Filmou e escondeu junto a uma campa, a cassete do sacrifício, que acabaria por se tornar na cassete da esperança.
O mundo acordou e olhou para Timor.