Abordar a temática “A variabilidade dos conceitos de natureza” é desafio complicado, precisamente porque esta questão tem diversas interpretações e os mais variados enquadramentos, fruto da evolução secular do Homem e, com ele, da evolução da ciência e da história que ele próprio construiu. É, sem dúvida, uma temática e uma discussão de séculos.
Por isso mesmo, epistemologicamente, existem os mais variados conceitos todos eles com a marca dos tempos, de interpretações influenciadas pela própria emancipação do Homem face a “selvagem” natureza. Em minha opinião, é mesmo nesta capacidade de emancipação, que não independência face à natureza, que reside um dos factores determinantes dos conceitos em estudo. Quer no séc. XIX, quer no séc. XX, quer actualmente, encontramos sempre uma variabilidade de conceitos, marcada pela génese civilizacional de cada sociedade, assente em cada um do seu contrato social.
A natureza marca o Homem e, por isso, ajuda a determinar e muito, os seus conceitos de cultura e a sua capacidade de interagir com a própria mãe natureza. A evolução civilizacional é, em minha opinião, fonte permanente da variabilidade do conceito de natureza, pelo que me parece adequado afirmar que a cada civilização, corresponde o seu ou seus conceitos de natureza.
E, quando não há uma demarcação evidente da natureza, por outras palavras, quando a dependência do Homem é quase absoluta em relação a ela, como ainda hoje acontece em muitos cantos do planeta, estaremos então perante conceitos muito empíricos e clássicos da natureza em que o Homem se confunde com ela, e por isso, o conceito de natureza confunde-se com o conceito de cultura.
Vyggotski lembra-nos o menino Victor de Aveyron que viveu perdido na floresta e encontrado anos mais tarde, profundamente marcado pela experiência de total dependência da natureza. Apesar de todas as questões então colocadas em torna desta história, a verdade é que este acabou por ficar um exemplo clássico da relação da natureza e da cultura. Coloca-se pois a questão das condições de vida e o meio ambiente que nos acolhe na hora do nascimento tal como aconteceu com o menino Victor e que nos marca de uma forma inequívoca.
No outro extremo da variabilidade do conceito, podemos “cair” na análise nos dias hoje e projectar que conceito actualmente teremos de natureza. Para falarmos da realidade ocidental, o mundo dito evoluído e civilizado da Europa, teremos vários conceitos de natureza. Falamos duma realidade social transversal a todo o continente europeu, em que as preocupações ambientais são politicamente evidentes, quiçá uma forma moderna de apelidar a mãe natureza e as preocupações que ela nos dá.
Com os progressos sociais e políticos que marcam a nossa civilização, a ocidental, há um inequívoco distanciamento da natureza em que esta se confunde com a urbe. Uma urbe cada vez mais assente nas trocas sociais e nas experiências muitas vezes importadas de outros recantos… de outras naturezas. Como defendeu Lévi-Strauss “é como proporcionar um status maior à cultura, considerando-a em certa autonomia com a natureza”[1].
Eis uma forma sintética equacionar delinear o pensamento primitivo e o dito “civilizado” em que a variabilidade do conceito de natureza tem aspectos tão diversos quanto comuns, mas em minha opinião, sempre com a marca que o Homem, ao nascer, acolhe de uma forma natural, com o seu espírito genético de lugar que com ele viverá e conviverá para sempre, mesmo que enquadrado noutros campos de acção, noutras sociedades sujeitas às trocas de experiências sociais.
O Homem é um animal eternamente marcado pela natureza. A natureza que o molda e ajuda a formar a sua cultura. Não é por acaso, que em muitas histórias de vida, a grande alegria acorre, quando o homem regressa às origens, à sua cultura…
António Rodrigues