É sabido que em Portugal sempre se viveu e conviveu com o fenómeno social a que chamamos emigração. E é importante abordar e analisar a nossa emigração para melhor compreendermos a imigração que hoje se regista. É bom sentir o que fomos, num dado contexto da nossa história, para melhor percebermos esse outro contexto da nossa contemporaneidade em que Portugal também se torna país de acolhimento.
Durante séculos Portugal foi um país em sangria constante, expedindo os seus cidadãos pelo mundo fora, consequência da sua pobreza e, paradoxalmente, da sua grandeza. Para muitos dos nossos historiadores Portugal adormeceu, anestesiado pelo viço de um comércio que prosperou em grande escala e rapidez ao longo dos séculos XV, XVI e XVII, acabando, por isso, por reduzir o nosso empreendedorismo. No enquadramento político e social daqueles tempos percebe-se hoje, e bem, porque nos atrasámos face a uma Europa que, paulatinamente, se foi afirmando e desenvolvendo a uma outra velocidade e, de tal modo, que no arranque da revolução industrial, ainda Portugal se limitava a colher os últimos resquícios das riquezas naturais oriundas das Áfricas, Oriente e Brasil.
E é justamente o Brasil o primeiro destino do nosso primeiro grande surto de emigração. Ainda antes de um Brasil independente, tivemos intensos fluxos migratórios com aquela que era, então, a mais activa e importante colónia portuguesa. Desde logo, com toda a vasta comitiva que acompanhou a Corte no seu movimento de fuga, perante as invasões francesas, opção que muitos estudiosos vêm apontando como estratégia inteligente que garantiu a salvaguarda da independência do reino. Uma deslocação massiva das elites nacionais que moldou a face do Brasil, proporcionando-lhe uma centralidade nunca antes auferida. Foi esse processo que, após o retorno da Corte a Portugal e a subsequente independência da colónia, daria lugar a um forte desenvolvimento económico, social e político, ao qual corresponderia o auge da emigração portuguesa já em princípios do séc. XX, mais concretamente entre 1900 e 1930, em busca das novas oportunidades desse “novo mundo”, por oposição à pobreza e à instabilidade vivida em Portugal e um pouco por toda a Europa.
Fruto dos novos cuidados médicos, destacando-se a vacinação e as inovações nos processos de higiene, a Europa duplicou a sua população entre o séc. XIX e princípios do XX. O continente americano, a sul ou a norte, foi o grande receptor desta fortíssima onda migratória, ímpar na história da Humanidade. O “velho mundo” dava vida e impulso ao “novo mundo”.
Já na segunda metade da última centúria são a França, a Alemanha e a Suíça que surgem como o grande destino para os nossos emigrantes, havendo umas boas centenas de milhar que optaram por viver em Angola e Moçambique.
Depois desta autêntica síntese, de uma síntese do nosso historial migratório, será fácil perceber porque é rara a família portuguesa que não tenha no seu seio elementos que foram ou ainda são emigrantes.
Ora, este pormenor é determinante para melhor percebermos toda a nossa postura face à vaga migratória que, após a concessão da independência às ex-colónias, e, mais intensamente, desde finais da década de noventa, atinge o nosso país, muito em especial a imigração oriunda dos recém libertados países de leste. Com efeito, sem esquecermos o verdadeiro fenómeno migratório do pós 25 de Abril, que caracterizou a vinda dos ditos “retornados” das ex-colónias (que muitos apontam serem na ordem dos 800 mil, embora oficialmente os números se fixem pelo meio milhão), são os naturais desses países africanos que, apesar da independência, vêm optando por viver em Portugal, perseguindo os seus sonhos em busca de maior qualidade de vida, ou por aqui passando, qual plataforma de porta aberta ao mundo.
Somos, pois, um povo habituado à dor de ver partir, um povo de diáspora, mas também habituado a receber e a acolher quem vê em nós, muitas vezes, a miragem da sua felicidade.
Torres Novas, à sua escala e dimensão, viveu, obviamente, enquanto município que terá actualmente muito perto de 40 mil habitantes, todos estes fenómenos. Mas, não tendo sido tão castigada com os níveis de emigração verificados noutros pontos do país, acaba por também não se ver confrontada com uma chegada abrupta de imigrantes.
Torres Novas tem a particularidade, devidamente testemunhada e documentada, de nas décadas de 50 e 60 do século passado, ter acolhido milhares de trabalhadores oriundos de Ansião e Pombal, que vinham até ao concelho em busca de melhor vida, tentando trabalho nas fainas da apanha do figo, da azeitona e até a própria vindima. E por cá ficaram, constituíram família e deixaram descendentes. Eram os “barrões” ou os “botas”, como então, porventura depreciativamente, eram pelos torrejanos apelidados. Mas foi gente boa, trabalhadora e ordeira, que veio enriquecer o tecido social e laboral de Torres Novas, sendo, por isso mesmo, um micro fenómeno de migração interna. E, curiosamente, se hoje as famílias torrejanas têm laços directos ou indirectos à emigração da década de 60 e 70, ela é precisa e maioritariamente pela via dos seus “barrões”, pois aqueles dois concelhos quase se despejaram com o drama da diáspora. A tal “ida de assalto” para França, como então se dizia, ou, numa vertente mais política, para fugir à tropa e à guerra, Ansião e Pombal, como quase todos os concelhos de Portugal, viram partir para terras de França e Alemanha o melhor da sua essência: os seus filhos e, com eles, a esperança de um futuro mais alegre e risonho. Foram divididas famílias, muitas delas para sempre, em busca daquilo que Portugal não conseguia oferecer, mais concretamente o trabalho e, muitas vezes, a dignidade suficiente para viver e manter uma família. O tal Portugal que juntava aos erros de então, as consequências das políticas do passado.
Parece-me importante falar destes pormenores, que também possuem alguma carga emotiva, porque verdadeira, pois só assim perceberemos o porquê de a Portugal ser actualmente reconhecida a melhor legislação do mundo em termos de acolhimento e integração de imigrantes. Sentimos na pele esse drama e no papel da lei o fizemos reflectir.
E ainda bem.
Fomos coerentes com as nossas experiências.
António Rodrigues