Não é preciso recorrer à
demagogia, nem ao excesso de argumentos, para comprovar o absurdo daquela a que
chamam a “Lei dos Compromissos”. Bastará alguma objectividade no mero exercício
da sua aplicação para se perceber que ela, para além de cega, reflecte bem a
incapacidade de quem a idealizou e de quem a aprovou.
Falamos da incapacidade de
compreender a gestão diária e corrente de uma autarquia, ou da incapacidade de
perceber ao que estão sujeitas as Câmaras quando, sistematicamente e a todo o
momento, são confrontadas com necessidades que aliam uma decisão a uma despesa.
Com a sua implementação, ficará a esmagadora maioria dos municípios inibida de
actos administrativos tão elementares como a compra de selos postais ou pneus
para os veículos municipais. Para não falar em situações ainda mais revoltantes
como o caso concreto de Centros Escolares concluídos e que não abrirão as
portas aos alunos porque as câmaras estão impedias de contratarem o gás ou outras
vertentes complementares do investimento ou obras em curso que irão parar pela
impossibilidades de novos contratos ou, ainda, de se dotarem de equipamentos
imprescindíveis ao seu funcionamento.
É também gritante a incompreensão
da injustiça de uma lei que transforma os eleitos municipais em autênticos
funcionários do Estado, sujeitando-os à humilhação de depender da autorização
dos serviços para que uma sua tomada de decisão se possa executar.
À luz da sua natureza intrínseca,
e sem qualquer margem para dúvidas, a lei em causa reporta o papel dos autarcas
àquele que tinham os presidentes de Câmara na vigência do Estado Novo: pouca ou
nenhuma autonomia e total subserviência ao Poder Central. Mas mais do que isso,
esta é uma lei que não se coaduna com uma exequibilidade clara e objectiva, na
medida em que chega ao cúmulo inverosímil de forçar a cessão da actividade
regular das autarquias junto das comunidades que servem, inibindo e humilhando
quem tem obrigação de, junto das populações, resolver, objectivamente, os
problemas que se vão apresentando.
Os autarcas têm absoluta
consciência da necessidade de contenção e poupança. Sabem também que têm de ser
parte da solução para melhorar o actual estado do país, ainda que, também
plenamente conscientes de contribuírem, tão somente, com 4% da dívida de todo o
país. Contudo, lamenta-se que esses 4% tenham vindo a ser pretexto para, de
forma fria e indiscriminada, se tomar um conjunto de decisões que, não obstante
a inevitabilidade de umas, pecam pela incorrecção, pelo carácter ofensivo da
dignidade de quem é eleito e dedica a sua vida à causa pública, para além de
ofensivas da dignidade da própria democracia.
Esta lei é o reflexo do nível a
que foi votado o Poder Local em Portugal, prevendo-se que, como tal, a mesma
venha a ser também reflexo da incapacidade de quem agora terá que a corrigir.
Só dessa forma poderá o país não ver todo o seu Poder Local economicamente
asfixiado e inoperativo e, mais ainda, deixar de ser promotor do
desenvolvimento económico e social do respectivo concelho.