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quarta-feira, 18 de julho de 2012

O absurdo da cegueira


Não é preciso recorrer à demagogia, nem ao excesso de argumentos, para comprovar o absurdo daquela a que chamam a “Lei dos Compromissos”. Bastará alguma objectividade no mero exercício da sua aplicação para se perceber que ela, para além de cega, reflecte bem a incapacidade de quem a idealizou e de quem a aprovou.
Falamos da incapacidade de compreender a gestão diária e corrente de uma autarquia, ou da incapacidade de perceber ao que estão sujeitas as Câmaras quando, sistematicamente e a todo o momento, são confrontadas com necessidades que aliam uma decisão a uma despesa. Com a sua implementação, ficará a esmagadora maioria dos municípios inibida de actos administrativos tão elementares como a compra de selos postais ou pneus para os veículos municipais. Para não falar em situações ainda mais revoltantes como o caso concreto de Centros Escolares concluídos e que não abrirão as portas aos alunos porque as câmaras estão impedias de contratarem o gás ou outras vertentes complementares do investimento ou obras em curso que irão parar pela impossibilidades de novos contratos ou, ainda, de se dotarem de equipamentos imprescindíveis ao seu funcionamento.

É também gritante a incompreensão da injustiça de uma lei que transforma os eleitos municipais em autênticos funcionários do Estado, sujeitando-os à humilhação de depender da autorização dos serviços para que uma sua tomada de decisão se possa executar.
À luz da sua natureza intrínseca, e sem qualquer margem para dúvidas, a lei em causa reporta o papel dos autarcas àquele que tinham os presidentes de Câmara na vigência do Estado Novo: pouca ou nenhuma autonomia e total subserviência ao Poder Central. Mas mais do que isso, esta é uma lei que não se coaduna com uma exequibilidade clara e objectiva, na medida em que chega ao cúmulo inverosímil de forçar a cessão da actividade regular das autarquias junto das comunidades que servem, inibindo e humilhando quem tem obrigação de, junto das populações, resolver, objectivamente, os problemas que se vão apresentando.

Os autarcas têm absoluta consciência da necessidade de contenção e poupança. Sabem também que têm de ser parte da solução para melhorar o actual estado do país, ainda que, também plenamente conscientes de contribuírem, tão somente, com 4% da dívida de todo o país. Contudo, lamenta-se que esses 4% tenham vindo a ser pretexto para, de forma fria e indiscriminada, se tomar um conjunto de decisões que, não obstante a inevitabilidade de umas, pecam pela incorrecção, pelo carácter ofensivo da dignidade de quem é eleito e dedica a sua vida à causa pública, para além de ofensivas da dignidade da própria democracia.

Esta lei é o reflexo do nível a que foi votado o Poder Local em Portugal, prevendo-se que, como tal, a mesma venha a ser também reflexo da incapacidade de quem agora terá que a corrigir. Só dessa forma poderá o país não ver todo o seu Poder Local economicamente asfixiado e inoperativo e, mais ainda, deixar de ser promotor do desenvolvimento económico e social do respectivo concelho.

 António Rodrigues

Artigo Publicado na Revista Pontos de Vista, suplemento do Jornal "Público" do dia 16 de Julho de 2012

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