Mesmo
após o 25 de Abril, ainda se manteve o hábito de se dizer que Portugal era
Lisboa e o resto paisagem. Aliás, não era por caso, que os lisboetas quando
saíam fora de muros se arrogavam dizer que iam à província. Tudo o que não
fosse Lisboa, salvo raras excepções, era um atraso de vida. Era a província...
E
tinham alguma razão para tamanha arrogância.
E
porquê?
Há
35 anos, quem nascia em Lisboa, desde o berço que se habituava a ter de tudo. Em
casa, dentro de casa, água canalizada, esgotos, electricidade e até gás nas cozinhas. Saía de casa e encontrava de tudo naquela que era e é
a capital.
Boas
avenidas, passeios, bons parques e jardins.
E
havia teatros, cinemas, bibliotecas e bons museus... Também bons mercados, bons
restaurantes e ainda bons espaços desportivos coberto ou descobertos. Enfim,
havia de tudo um pouco.
E
até havia e há bons transportes.
E
ainda bem que assim era.
Subsistia,
no entanto, um problema.
É
que, havendo perto de 10 milhões de portugueses, só os de Lisboa e de algumas
(não todas) capitais de distrito usufruíam destes privilégios. Os outros, os
“provincianos” habitavam um mundo diferente, um Portugal diferente.
E
era estigmatizante, tudo isto, não para os Lisboetas que nenhuma culpa tinham
de viverem, face aos “provincianos”
muitos furos acima do índice da qualidade de vida.
Eram
as chamadas assimetrias do regime que caiu sob o cheiro intenso dos cravos de
Abril...
Uma
das fantásticas heranças de Abril, é o reforço e a autonomia municipalismo, o
Poder Local Português; aliás, Herculano afirmava que o município era "…a mais bela das instituições que o mundo
antigo legou ao mundo moderno”…
Mas
nem sempre foi assim em particular neste Portugal ignorado de Salazar e
Caetano?
Os
municípios em conjunto com as freguesias operaram a mais fantástica revolução e
renovação a que o país jamais assistiu ou assistirá.
Sim,
com algumas asneiras que os parasitas procuram evidenciar, em detrimento do
muito que foi positivo, de tudo se conseguiu.
De
1979 até aos dias de hoje, levou-se a água potável, electricidade e os esgotos
à mais recôndita da aldeia portuguesa. Os caminhos de cabra, de terra batida e
enlameada, passaram a ser caminhos para humanos com o mesmo direito dos da capital.
Pavimentaram-se milhares de quilómetros de estradas. Edificaram-se escolas,
centos escolares, centros de saúde, lares ou centros de dia de acolhimento;
construíram-se e equiparam-se espaços desportivos cobertos ou descobertos e
promoveu-se a formação desportiva em todas as freguesias deste país.
Construíram-se bibliotecas, recuperaram-se teatros e edificaram-se museus para
preservarem a nossa memória. A memória de quem trabalha, chora ou ri, um pouco
por todo o território português prenhe de feitos fantásticos. E, multiplique-se
tudo isto, por 308 municípios cada um à sua escala e dimensão.
E
criaram-se, aqui e acolá, zonas industriais que geraram riqueza, criaram
emprego e fixaram as populações. E ainda houve tempo para, em muitos casos, se
regenerar centros históricos, palcos corroídos da nossa história. A que nos
deveria orgulhar e que cobardemente não divulgamos.
Discretamente,
e bem, mataram-se carências e estendeu-se a mão a quem dela precisava: para uma
palavra, para um conforto ou conselho de um reformado ou um pobre isolado ou
até perdido, na casota mais distante da aldeia... da freguesia.
A
dívida dos municípios e o despesismo dessa gente diminuída e inconsciente, que
são os autarcas.
De
tal forma é uma classe tão desprezível que há que a abater e controlar ainda
mais. Nem que para isso se tenha que acabar com as freguesias e com essa figura
estranha e anómala do presidente de Junta.
Venha
o Padre da paróquia que o substitua...
E
quem faz toda esta apologia e persegue esta riqueza comunitária: os do Terreiro
do Paço. Os de hoje e os de ontem.
Os
inteligentes!
Os
tais que - quase todos - ao virem ao mundo de tudo encontraram. E que acham
caro e muito, tudo o que se fez, para que Lisboa deixasse de ser Portugal e
paisagem o resto.
Todos
somos portugueses e todos merecemos o que só alguns tinham.
E
hoje, todos ou quase todos, têm o que a minoria já tinha.
Essa
associação estranha, a riqueza do municipalismo português, associação de homens
e mulheres, que reergueram o país e
esbateram diferenças e mataram assimetrias, mesmo contra a vontade ou a inveja
do terreiro do Paço, ficará para sempre na memória de todos.
Quanto
custou ao país a "loucura" dos autarcas portugueses para que os
alfacinhas deixassem de ir à província?
3,7%
da nossa falência.
E
os outros 96,3% da nossa desgraça quem os estoirou, quem os queimou?
O
Terreiro do Paço.
O
tal que é ocupado, maioritariamente, por quem nasceu com água em casa e com
tudo à porta...