A mais pequenina

A mais pequenina
Princesa

sábado, 18 de dezembro de 2010

Kika e o escritor de sonhos

Era uma vez uma andorinha que vivia muito feliz com as suas irmãs e amigas.

Ela gostava muito de voar! Ora fazia piruetas no ar, ora voava rentinho ao chão, para logo a seguir subir, bem lá para cima, parecendo que queria voar até ao céu...

Voava com as suas quatro irmãs. Todas tinham nascido num ninho feito de barro,

debaixo do telhado de uma pequena capoeira, no quintal de uma casa.

Ah, como ela gostava de brincar!


Voava baixinho, junto do galo, das galinhas e dos patos, que ocupavam todo o quintal, e cantava para eles… Todas as andorinhas por ali andavam a chilrear, durante todo o dia, alimentando-se dos insectos que apareciam à volta dos patos e das capoeiras.


As andorinhas ouviam muitos avisos da mãe e do pai… Estes, preocupados, passavam o dia ao seu lado, voando, chilreando e ralhando:


− Tenham cuidado! Tenham juízo! Não voem tão depressa! Ainda se podem magoar e partir uma asa...


No quintal, os donos da casa, faziam uma grande festa quando por lá aparecia a Kika. E que festa! Eram os avós babados de uma neta bonita que mal sabia andar, tal como as andorinhas, que voavam há tão pouco tempo...

A pequenita, a tentar equilibrar-se no seu andar, passava o tempo a brincar com os patinhos e com as andorinhas.

De vez em quando, a Kika levantava os braços no ar, tentando agarrar as andorinhas...

E estas, que também queriam brincar com ela, voavam tão perto da sua cabecita que quase paravam em cima dela.

Estávamos em plena Primavera e a alegria abundava naquele quintal, onde as macieiras e as pereiras se enchiam de flores e de muitas abelhas, suspensas sobre as pétalas em busca do pólen... A andorinha, que por ali passeava e brincava, quase poisava nas mãos da menina.

Até parecia que parava em pleno voo…


− Olá passarinho! Como te chamas? − Perguntava a Kika à andorinha que, chilreando, lhe respondia:

− Sou a Teté, e tu?

− Eu sou a Kika.

E sempre que a Kika vinha ao quintal dos avós, havia alegria e festa, para os avós e para as andorinhas…


Os dias longos e quentes iam dando lugar aos dias mais curtos…

O Verão estava a acabar e, com os últimos dias de calor, também as andorinhas partiam. A Kika perguntava, e voltava a perguntar, pelos passarinhos, e chorava pela ausência das amiguinhas. As andorinhas voaram para longe, muito longe… Voaram, e voaram, passaram dias e dias sempre a voar…


Voaram pelos campos, pelas cidades, atravessaram o oceano e o deserto.

Iam para sul, à procura de calor e alimento, queriam chegar a África.


Cansadas de atravessar o vasto oceano, chegaram a Cabo Verde, poisaram nas montanhas íngremes de Santo Antão, uma ilha perdida no azul do mar...

O bando descansou, então, numa frondosa árvore, muito verde, com folhas grandes e frutos que pareciam melões, a fruta-pão.

Eram tantas as montanhas, tantas, tantas, que as andorinhas conseguiam vê-las do alto daquela árvore enorme…

As andorinhas voaram para o telhado de uma igreja, que tinha à sua volta muitas casinhas, com telhado de colmo. De algumas delas saía fumo.

Os meninos brincavam por ali, corriam atrás de uma bola e faziam muito barulho.


Parecia que estavam no recreio da escola. Corriam e corriam, com o cabelito muito curto e encarapinhado, tom de pele escura, muito bonitos, alguns de olhos azuis…

Nas escadas da igreja, estava um menino, muito triste que não brincava, olhava em redor e via os colegas a correr e a brincar... A andorinha Teté observava-o intrigada.

Saltitou para o chão e ficou ali parada, pertinho dele.

− Olá, eu sou a andorinha Teté! E tu, como te chamas?

− Eu sou o Joca. Respondeu tristemente

− Sabes, Teté, os meus amigos estão muito felizes a jogar à bola, mas eu sonho ser escritor. Passo aqui horas e horas, sentado, a imaginar histórias tão bonitas… Mas, à noite, quando a mãe me chama para dormir, já me esqueci do princípio da história, por isso todos se riem de mim… Dizem que sem princípio a história não faz sentido… O que eu mais queria, Teté, era ter um lápis. Assim, já podia escrever a história, do princípio ao fim, e todos acreditariam em mim.

− Eu acho que posso ajudar-te, Joca, mas tens de ser paciente e esperar uns meses…

− Eu nasci em Portugal, numa cidade chamada Torres Novas. Na casa onde eu nasci há uma menina, a Kika, que é minha amiga… Ela ainda não sabe, mas, no próximo ano, vou voltar a casa dela. A Kika tem muitos lápis, faz muitos desenhos, alguns de andorinhas… Quando eu regressar, vou-lhe contar a tua história e pedir-lhe um lápis para te oferecer. Não fiques triste, para o ano a tua história vai ser conhecida por todos. Vais escrevê-la com o lápis que a Kika te vai mandar...

O tempo passou e as andorinhas regressaram a Portugal.

Teté volta ao quintal onde nasceu e reencontra a Kika. Os olhos da menina brilham de alegria… Kika, mais crescida, continua a entusiasmar-se com as andorinhas, entretém-se com elas, gesticulando e falando.

Teté conta a Kika a história do Joca, o amigo cabo-verdiano, que aguarda ansioso o seu regresso. As duas amigas não perdem tempo: a Kika ajuda a andorinha a levantar voo com o lápis no bico. A tarefa não era nada fácil.

As duas davam grandes gargalhadas, enquanto o lápis caía no chão vezes sem conta, mas ambas sabiam que acabariam por conseguir…

Tanto treinaram que, no final da Primavera, quando Teté partiu em direcção à ilha,


Levava no bico o lápis da Kika.


Foi com grande esforço que a andorinha Teté manteve o lápis no bico durante a longa viagem. Mas, a Teté era muito corajosa e amiga do seu amigo. Por isso, nunca desistiu.


Joca, de lápis na mão, escreve a sua história, acompanhado pelo rápido compasso da dança, marcado pelos saltitos da Teté. O Joca nunca mais parou de escrever histórias. Hoje, todos o conhecem pelo nome de Joca, o escritor de sonhos.

A partir de então, todas as Primaveras, a Teté regressa a Torres Novas com histórias vindas de Cabo Verde.


A Kika lê com atenção todas as histórias trazidas pela Teté e imagina a vida daqueles meninos que têm sonhos tão grandes que não cabem naquela pequena ilha…


E foi assim, da amizade entre uma criança e uma andorinha, que nasceu a cooperação entre as pessoas de Torres Novas e as de Cabo Verde.


Um sonho que se transformou em história, uma história escrita a lápis, símbolo da esperança e do amor que existe no coração dos amigos.


António Rodrigues
Livro lançado a 20 de Novembro de 2010
Com ilustrações de Alexandra Sirgado

1 comentário:

  1. Tive o previlégio de assistir à pouco na Biblioteca a esta historia. Levei o meu filho de 4 meses, não que ele percebesse o que se estava a passar (até porque esteve sempre a dormir !!!) mas pelo facto de participar numa festa de natal a convite do avô, ele sim funcionário da CMTN. Comoveu-me a historia e o desabafo que o nosso Presidente teve antes de contar a historia que ele mesmo escreveu, da mesma forma que o chocou a si, chocou os demais presentes. Mas enfim, é uma historia engraçada que mostra que a amizade não tem fronteiras e que projecto de Geminação de Torres Novas com Cabo Verde está para durar. Este homem é o grande impulsionador dessa geminação mas tambem o responsavel pelos Torrejanos terem orgulho na cidade que têm. Eu tenho esse orgulho e o orgulho de ter a minha cidade dirigida por tão grandioso lider. Obrigado Presidente, não deixe cair esta causa nobre.

    ResponderEliminar