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Princesa

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Que caiam os anjos!

Com o beneplácito do PS e do PSD, Portugal poderá estar a viver a antecâmara da destruição de um dos seus patrimónios imateriais mais pujantes da sua história: as freguesias.

Dir-me-ão que é exagero porque serão só algumas.


Mesmo algumas, tal decisão sairá cara ao País.


Muito cara.


Ponto de partida para esta aventura: imposição da Troika, que exige que façamos, a troco de dinheiro, o que no passado fomos incapazes de fazer, de livre vontade: rentabilizar ainda mais o funcionamento das autarquias. E exige, no ponto 4.3 do referido Memorando dedicado ao Poder Local, a reorganização dos governos locais, com a redução expressiva das entidades em causa: municípios e freguesias.Significantly reduce the number of such entities”, está lá escrito


Mas não é isto que está proposto e em debate.


Foi mais fácil a ambos os partidos atacar o “elo mais fraco”: as freguesias. Será mais fácil ao parlamento acabar com freguesias de quatro, cinco ou mesmo seis mil habitantes, que acabar com um ou dois municípios como dois ou três mil habitantes cada… Este o cinismo, esta a falta de coragem.

Ora isto, para além de profundamente errado, pode virar tragédia. Sem exagero: tragédia!


Porquê?



Porque, se de facto faz sentido reduzir significativamente as freguesias dos centros urbanos, muitas delas autênticas redundâncias face ao Executivo Camarário, já nas zonas rurais a situação exige muito, mas muito cuidado.



Nestas coisas não pode haver régua nem esquadro.

Acabar com uma freguesia rural, seja ela qual e onde quer que seja, será, em muitos casos, retroceder ao tempo da paróquia. A um tempo em que, na ausência do Presidente da Junta, se recorre ao Pároco, como acontecia neste país antes de 1916… Nada tenho contra estes, mas tudo tenho contra a ausência do Presidente da Junta.


A relação próxima do Presidente de Junta, em particular nas zonas rurais, traduz-se cada vez mais, na essência imaterial da riqueza primeira do Poder Local que Abril ofereceu…


Acabar com esta relação de proximidade, que se traduz no conforto e no acompanhamento que se oferece ao freguês, em particular nos seus momentos mais difíceis, nada tem a ver com a “reinvenção do espírito republicano” de que falava o Presidente da República nas comemorações do 5 de Outubro. Que PS e PSD elogiaram…

Ora isto nada tem de reinvenção, antes de matança do verdadeiro espírito de um regime que se quer próximo das pessoas, em prol das pessoas e pelas pessoas.


É cínico falar da despesa das autarquias, sempre “bombos da festa”, quando os governos assobiam para o lado, varrendo o seu próprio lixo para debaixo das secretárias… das suas secretárias.


As juntas de freguesias gastam pouco, muito pouco.

Mas fazem muito.

Muito e com pouco!

Acabar com elas


será, na grande maioria, acabar com o apoio às colectividades, ao folclore, ao teatro, à musica, ao artesanato, à promoção de produtos locais, muitas vezes sustento de muitas famílias.



Acabar com elas,

Será, na grande maioria, acabar com uma identidade colectiva, que se forjou com a história e esta com aquela, em memórias que saltitam de geração para geração.


Acabar com elas

será “destruir” pedra a pedra equipamentos colectivos que homens e mulheres, com sangue suor e lágrimas, construíram para um futuro melhor das suas aldeias. Fora de horas e aos fins-de-semana, no entusiasmo da força colectiva e dos valores da solidariedade, ergueram o que Lisboa não podia erguer, mas que hoje quer derrubar…


São estes os valores de um Povo que, de geração em geração, soube erguer e construir o seu futuro.



Estes valores imateriais não chegarão aos odores políticos e pestilentos de um parlamento, em que muitos deputados, contra a sua vontade, terão que levantar o braço para votar contra a freguesia que os viu parir e que, nos corredores da fama e do poder efémero, a ignoram para a sua sobrevivência política, quais personagens rurais de um Camilo na sua “Queda de Um Anjo…”



Que caiam os “anjos” mas que se mantenha a história e com ela a nossa memória.



Será pedir muito?


António Rodrigues


10.10.2011


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