A mais pequenina

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Princesa

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

3,7%



Mesmo após o 25 de Abril, ainda se manteve o hábito de se dizer que Portugal era Lisboa e o resto paisagem. Aliás, não era por caso, que os lisboetas quando saíam fora de muros se arrogavam dizer que iam à província. Tudo o que não fosse Lisboa, salvo raras excepções, era um atraso de vida. Era a província...

E tinham alguma razão para tamanha arrogância.

E porquê?
Há 35 anos, quem nascia em Lisboa, desde o berço que se habituava a ter de tudo. Em casa, dentro de casa, água canalizada, esgotos, electricidade e até gás nas cozinhas. Saía de casa e encontrava de tudo naquela que era e é a capital.
Boas avenidas, passeios, bons parques e jardins.
E havia teatros, cinemas, bibliotecas e bons museus... Também bons mercados, bons restaurantes e ainda bons espaços desportivos coberto ou descobertos. Enfim, havia de tudo um pouco.
E até havia e há bons transportes.
E ainda bem que assim era.

Subsistia, no entanto, um problema.

É que, havendo perto de 10 milhões de portugueses, só os de Lisboa e de algumas (não todas) capitais de distrito usufruíam destes privilégios. Os outros, os “provincianos” habitavam um mundo diferente, um Portugal diferente.

E era estigmatizante, tudo isto, não para os Lisboetas que nenhuma culpa tinham de viverem, face aos “provincianos”  muitos furos acima do índice da qualidade de vida.
Eram as chamadas assimetrias do regime que caiu sob o cheiro intenso dos cravos de Abril...

Uma das fantásticas heranças de Abril, é o reforço e a autonomia municipalismo, o Poder Local Português; aliás, Herculano afirmava que o município era "…a mais bela das instituições que o mundo antigo legou ao mundo moderno”

Mas nem sempre foi assim em particular neste Portugal ignorado de Salazar e Caetano?

Os municípios em conjunto com as freguesias operaram a mais fantástica revolução e renovação a que o país jamais assistiu ou assistirá.
Sim, com algumas asneiras que os parasitas procuram evidenciar, em detrimento do muito que foi positivo, de tudo se conseguiu.

De 1979 até aos dias de hoje, levou-se a água potável, electricidade e os esgotos à mais recôndita da aldeia portuguesa. Os caminhos de cabra, de terra batida e enlameada, passaram a ser caminhos para humanos com o mesmo direito dos da capital. Pavimentaram-se milhares de quilómetros de estradas. Edificaram-se escolas, centos escolares, centros de saúde, lares ou centros de dia de acolhimento; construíram-se e equiparam-se espaços desportivos cobertos ou descobertos e promoveu-se a formação desportiva em todas as freguesias deste país. Construíram-se bibliotecas, recuperaram-se teatros e edificaram-se museus para preservarem a nossa memória. A memória de quem trabalha, chora ou ri, um pouco por todo o território português prenhe de feitos fantásticos. E, multiplique-se tudo isto, por 308 municípios cada um à sua escala e dimensão.

E criaram-se, aqui e acolá, zonas industriais que geraram riqueza, criaram emprego e fixaram as populações. E ainda houve tempo para, em muitos casos, se regenerar centros históricos, palcos corroídos da nossa história. A que nos deveria orgulhar e que cobardemente não divulgamos.

Discretamente, e bem, mataram-se carências e estendeu-se a mão a quem dela precisava: para uma palavra, para um conforto ou conselho de um reformado ou um pobre isolado ou até perdido, na casota mais distante da aldeia... da freguesia.

 E hoje, o que se evoca de tudo isto?

A dívida dos municípios e o despesismo dessa gente diminuída e inconsciente, que são os autarcas.

De tal forma é uma classe tão desprezível que há que a abater e controlar ainda mais. Nem que para isso se tenha que acabar com as freguesias e com essa figura estranha e anómala do presidente de Junta.
Venha o Padre da paróquia que o substitua...

E quem faz toda esta apologia e persegue esta riqueza comunitária: os do Terreiro do Paço. Os de hoje e os de ontem.
Os inteligentes!
Os tais que - quase todos - ao virem ao mundo de tudo encontraram. E que acham caro e muito, tudo o que se fez, para que Lisboa deixasse de ser Portugal e paisagem o resto.

Todos somos portugueses e todos merecemos o que só alguns tinham.

E hoje, todos ou quase todos, têm o que a minoria já tinha.
Essa associação estranha, a riqueza do municipalismo português, associação de homens e mulheres,  que reergueram o país e esbateram diferenças e mataram assimetrias, mesmo contra a vontade ou a inveja do terreiro do Paço, ficará para sempre na memória de todos.

 Hoje Portugal está falido.

Quanto custou ao país a "loucura" dos autarcas portugueses para que os alfacinhas deixassem de ir à província?

3,7% da nossa falência.

E os outros 96,3% da nossa desgraça quem os estoirou, quem os queimou?

O Terreiro do Paço.
O tal que é ocupado, maioritariamente, por quem nasceu com água em casa e com tudo à porta...

 António Rodrigues  



terça-feira, 16 de outubro de 2012

Perdoado seja (II)


A Igreja no seu melhor… a portuguesa claro!
Para D. Policarpo o país chegou a um estado tal que as manifestações não fazem sentido. “Comer e calar” parece ser o seu lema… ou por outra, não comer e calar…
Eis uma afirmação de incompreensível resignação que, vindo de quem vem, tem algo de muito mais grave. Para este homem da Igreja, o primeiro do país, as manifestações e protestos de rua não fazem sentido e só incomodam.

Só fala assim quem está fora da realidade e de barriga cheia!
Não comer e calar, parece ser a sugestão deste patriarca há muito fora do contexto… mas o drama é que para muitos já não há mesmo nada para comer.
A fome atinge muitos e, em particular, os que dela sempre estiveram muito longe.
A dura realidade é que em Portugal há fome e fome escondida, pela vergonha.
E há sub-alimentação.

Em ambos os casos, todos temos – uns mais outros menos – a nossa responsabilidade e, ao mesmo tempo, a obrigação de ser solidários.
Só manda calar quem tem fome, os que estão de barriga cheia.
E que não são solidários.  

É feio mandar calar quem tem fome.
É feio mandar calar quem não tem para aconchegar e suavizar o drama dos filhos.
É mau ser insensível.
Esta não é a Igreja solidária de que todos precisamos.
Se há uns meses D. Policarpo nos mimoseou com a afirmação de que “ninguém sai da política de mãos limpas”, também é caso para lhe dizer que nem todos os líderes da igreja sabem estender a mão a quem precisa.
Valha-nos não ser aquela a verdade absoluta da política, valha-nos não ser aquela a verdade absoluta da Igreja Católica portuguesa.

Hoje, um pouco por todo o lado, prolifera a solidariedade e o apoio efectivo, muitas vezes no silêncio e na discrição, dos católicos deste ou daquele recanto do nosso traumatizado país. Há, em Portugal, homens, mulheres e jovens que, no silêncio do amor, repartem o que têm para que o outro sofra menos. Na solidariedade e no apoio ao próximo, os católicos e suas instituições são exemplo.
No respeito por todos aqueles que sofrem, católicos ou não, D. Policarpo deveria dar uma mensagem de respeito, de esperança e de solidariedade.

Ou então, ficar calado!
António Rodrigues
16.10.2012

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O absurdo da cegueira


Não é preciso recorrer à demagogia, nem ao excesso de argumentos, para comprovar o absurdo daquela a que chamam a “Lei dos Compromissos”. Bastará alguma objectividade no mero exercício da sua aplicação para se perceber que ela, para além de cega, reflecte bem a incapacidade de quem a idealizou e de quem a aprovou.
Falamos da incapacidade de compreender a gestão diária e corrente de uma autarquia, ou da incapacidade de perceber ao que estão sujeitas as Câmaras quando, sistematicamente e a todo o momento, são confrontadas com necessidades que aliam uma decisão a uma despesa. Com a sua implementação, ficará a esmagadora maioria dos municípios inibida de actos administrativos tão elementares como a compra de selos postais ou pneus para os veículos municipais. Para não falar em situações ainda mais revoltantes como o caso concreto de Centros Escolares concluídos e que não abrirão as portas aos alunos porque as câmaras estão impedias de contratarem o gás ou outras vertentes complementares do investimento ou obras em curso que irão parar pela impossibilidades de novos contratos ou, ainda, de se dotarem de equipamentos imprescindíveis ao seu funcionamento.

É também gritante a incompreensão da injustiça de uma lei que transforma os eleitos municipais em autênticos funcionários do Estado, sujeitando-os à humilhação de depender da autorização dos serviços para que uma sua tomada de decisão se possa executar.
À luz da sua natureza intrínseca, e sem qualquer margem para dúvidas, a lei em causa reporta o papel dos autarcas àquele que tinham os presidentes de Câmara na vigência do Estado Novo: pouca ou nenhuma autonomia e total subserviência ao Poder Central. Mas mais do que isso, esta é uma lei que não se coaduna com uma exequibilidade clara e objectiva, na medida em que chega ao cúmulo inverosímil de forçar a cessão da actividade regular das autarquias junto das comunidades que servem, inibindo e humilhando quem tem obrigação de, junto das populações, resolver, objectivamente, os problemas que se vão apresentando.

Os autarcas têm absoluta consciência da necessidade de contenção e poupança. Sabem também que têm de ser parte da solução para melhorar o actual estado do país, ainda que, também plenamente conscientes de contribuírem, tão somente, com 4% da dívida de todo o país. Contudo, lamenta-se que esses 4% tenham vindo a ser pretexto para, de forma fria e indiscriminada, se tomar um conjunto de decisões que, não obstante a inevitabilidade de umas, pecam pela incorrecção, pelo carácter ofensivo da dignidade de quem é eleito e dedica a sua vida à causa pública, para além de ofensivas da dignidade da própria democracia.

Esta lei é o reflexo do nível a que foi votado o Poder Local em Portugal, prevendo-se que, como tal, a mesma venha a ser também reflexo da incapacidade de quem agora terá que a corrigir. Só dessa forma poderá o país não ver todo o seu Poder Local economicamente asfixiado e inoperativo e, mais ainda, deixar de ser promotor do desenvolvimento económico e social do respectivo concelho.

 António Rodrigues

Artigo Publicado na Revista Pontos de Vista, suplemento do Jornal "Público" do dia 16 de Julho de 2012

sábado, 19 de maio de 2012

TIMOR - a paixão


Há dez anos estive lá.
Em Tacitolo
Eram aos milhares, centenas milhares.
O Povo de Timor comemorava a sua dignidade e, por via dela, a sua independência. Segundo Matoso, na sua obra “A dignidade de Konis Santana” foi essa a arma primeira do Povo Maubere na resistência ao ocupante.
Vi e vivi a festa daquela noite.
Os choros da emoção e da saudade pelos que deram a vida por aquela causa… ouvi as orações das crianças e dos adultos e partilhei os silêncios envoltos no breu da noite, onde não chegavam as luzes dos holofotes.
Vivi e chorei naquele 20 de Maio quando a bandeira de Timor se desfraldou lenta e cerimoniosamente, ao som daquelas femininas e celestiais vozes que entoavam o hino da primeira nação do século XXI…
E estive com Xanana dias mais tarde.
Senti a serenidade de combatente e estratega que levou Timor à vitória.
E, mais do que isso, deixei-me inundar por aquele mar de humildade. A humildade dos grandes.
E voltei a Timor.
E voltei. E voltei...
Sempre com o privilégio de estar com Xanana. Mais do que isso, trabalhar para aquele Povo a convite deste amigo especial.
Foram bons e gratificantes todos aqueles momentos…

Aquelas reuniões…
Aquelas conversas…
sempre com Timor com pano de fundo…
E voltei lá em Janeiro passado…
E estive de novo com Kay Rala Xanana Gusmão.
Duas horas…ou mais…
Para preparar novos trabalhos, novas colaborações… qual gota do oceano que também pode ajudar a pensar o futuro.
E Xanana está diferente.
Muito diferente.
Mais e melhor conhecedor do que pretende para o seu país.
Profundo dominador da sua estratégia para Timor.
Como nunca, sabe o que quer e o que pode fazer...
Para desenvolver a sua terra.
O homem que no passado recente conheceu todos os cantos do seu país, porque os calcorreou no combate ao inimigo, sabe hoje melhor do que nenhum outro, o que precisa cada um desses cantos para que o Povo sinta que valeu a pena.
Xanana que foi estratega na guerra é hoje um estratega na paz em busca do melhor para Timor.
Com uma particularidade:
Continua humilde. O humilde que fala com os silêncios e que tem no olhar a expressão da palavra. Xanana que hoje mereceu o maior aplauso da noite de Tacitolo, porque o Povo não esquece e Ramos Horta relembrou:  

Xanana, o nosso irmão que nos levou à vitória.

Obrigado Xanana pelo convite para hoje voltar a Tacitolo.
Guardá-lo-ei na arca das minhas melhores memórias…
Vi a festa pela televisão e também aplaudi quando o Povo, em uníssono, te aplaudiu.
Como escreveu Richard Bach, “não há longe nem distância” e, como há dez anos, emocionei-me.
Viva Timor Leste!

António Rodrigues

19 em Lisboa, 20 de Maio em Timor Leste






domingo, 4 de março de 2012

PS sem freguesia


O processo da junção de freguesias, melhor falando, da reforma administrativa do território português, não vai correr bem.


Por isso, perderão as populações.


Seguramente!


O Governo apresentou proposta no parlamento, que para muitos terá sido feita a régua e esquadro e, talvez, também com compasso.


Mas a verdade é que a apresentou. “Cumpriu” assim, goste-se ou não, o famigerado acordo que o país assumiu com a “Tróika”; a tal, que só nos deixa os trocos…


Nunca fui e presumo que nunca serei, apoiante da redução das freguesias rurais, embora compreenda que é sensato só se justificar a existência dessa autarquia, a partir de determinada dimensão populacional. Como também se entende a redução das freguesias urbanas porque, em muitos casos, assumem uma verdadeira duplicação de esforços e responsabilidades que hoje, dada também a evolução tecnológica ao nível da informação, já não fazem sentido. Pelo menos de forma tão prolífera.


Já aqui, neste blogue manifestei a minha opinião sobre o tema.


E, quando escrevi esse apontamento, era minha ingénua convicção de que o Partido Socialista, ouviria TODOS os seus autarcas e apresentaria proposta no parlamento. Como era sua obrigação, dado que não concorda com a do governo e, mais importante que isso, porque também assinou o tal documento. E, mais ainda, porque no tempo de Sócrates, já as cúpulas do partido defendiam de forma assumida a redução das freguesias. E é bom que nos lembremos que se defendia este desiderato político, quando nem sequer havia Tróika e suas imposições.


Velhos tempos!


O PS errou.


Não por ter votado contra a proposta do governo mas, porque ao votar contra, decorreria dessa legítima posição, a obrigatoriedade de apresentar a sua proposta na Assembleia da República.


Porque assinou o acordo. Da mesma forma com que no parlamento tem votado com venda nos olhos, propostas do governo, indo a reboque do argumento do compromisso que resulta da assinatura do documento, desta vez esqueceu-se desse detalhe.


Custaria muito ao Partido Socialista propor num simples documento aquela que é sua posição pública sobre o tema? Talvez com esse posicionamento e em sede de Comissão da Especialidade todos ganhássemos. O Poder Local em geral e as freguesias em particular.


Os dois partidos do arco do poder local, em sede de negociações e com duas propostas na mesa, teriam, forçosamente que se entender. E o resultado seria, necessariamente, uma proposta final com maior consistência e abrangência política e, por consequência, com maior e melhor acolhimento público.


Se o PS tivesse apresentado proposta, quero acreditar, teríamos muito mais possibilidades de manter muitas das actuais freguesias rurais. Assim, muitas delas, com a proposta do governo, serão anexadas.


O país perde e desiluda-se quem no PS possa sonhar que se ganha politicamente com esta estratégia tacticista, eleitoralmente falando.


Até porque, ao ter assinado o acordo, o PS terá que se preparar, metaforicamente falando, entenda-se, para o velho ditado: “tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica cá fora”.



António Rodrigues


4 Março de 2012

sábado, 21 de janeiro de 2012

A BOFETADA DO MINDELO

Neste início de manhã a cidade estava quase deserta. Pouca gente por ali andava.
Os mindelenses descansavam da folia própria da véspera de feriado.
O vento era forte e o tempo encoberto.
E tristonho.
Neste cenário, nada habitual em Cabo Verde, deambulei pela praça em busca de sinal publico de WI-FI quando me surgiu quase do nada, um jovem cabo-verdiano.

Delicadamente pediu-me 30s segundos de conversa. De imediato garantiu que não iria pedir dinheiro.
Explicou, nervoso, que era estudante do secundário e que precisava de cadernos de apontamentos.
Não queria dinheiro, repetiu e repetiu, mas que o acompanhasse a uma papelaria e lhe oferecesse os cadernos que tanta falta lhe faziam.
Achei estranho porque era feriado nacional, dia de Cabral, e todo o comércio estava encerrado. Garantiu-me me que não e lá o acompanhei a primeira livraria, logo ali ao lado.
Estava fechada.

Pediu-me me para ir a uma outra. E lá fomos para os lados do palácio do governador... Também estava fechada. Como todo o comércio!
Claro, era feriado, dizia eu...
O jovem, repetindo insistentemente que não queria dinheiro, pediu para irmos ao Monte Sossego onde, garantidamente, uma outra livraria estaria aberta.

Não, não vou, - disse-lhe -, porque é muito longe e já não acredito muito na tua história. Triste, perguntou-me me se podia levar o dinheiro para tentar a compra. Que eu ficaria com os seus parcos haveres como garantia do seu regresso para que eu pudesse confirmar que o dinheiro tinha sido gasto em cinco cadernos de apontamentos. Ou, para mo devolver, se fechada estivesse a loja.
Dei-lhe os escudos! Ainda bastantes! e separá-mo-nos. Garantiu-me que em 20 minutos me reencontraria no hotel. E que traria também a factura da compra...e para isso me pediu o meu nome...
Matutei no caminho, ao encontro do hotel e conclui que história não estava muito bem contada. Afinal era mesmo feriado em todo o Cabo Verde.
A “tanga” tinha sido grande.
Se calhar fui bem enrolado, pensei.
De imediato me arrependi do raciocínio precipitado e porventura injusto. Há que esperar para ver...

Passaram os 20m... Depois 40... E os 50 também.
Nada!
Do rapaz, nem a sombra!
Diz-me a recepcionista do hotel que seguramente fui enganado.
Fiquei fulo, não tanto pelo dinheiro, mas por ter sido burlado por jovem que se arrogou candidato a estudante de cardiologista, na universidade de Coimbra. Porque ganhou bolsa oferecida por uma televisão portuguesa. Porque era bom aluno...

Que história mais bem contada.
Que burro fui em ter ido na conversa.
Não a contes a ninguém que ainda te gozam….pensava eu...
E procurei esquecer tamanho embuste.
Já lá ia uma boa hora desde a despedida e, ao atravessar a mesma praça, vislumbro, de costas, um jovem com camisa rosa, a mesma cor da dos cadernos. Estava em conversa com o meu amigo Pedro Ferreira.
Aproximei-me.
Não é ele, pensei! Mas que coincidência, a camisa é igual…
Aproximei-me e diz-lhe o Pedro:
- Andavas à procura dele, aqui o tens.
O rapaz virou-se e ficámos cara a cara.
Mete a mão ao bolso, saca as notas, estende-me a mão e devolve-me o dinheiro. Com tristeza diz: também estava fechada.
Fiquei gelado e envergonhado.
Sem palavras e ao mesmo tempo feliz, porque a lição foi grande.
E conversámos os três, agora com credibilidade acrescida...
E o jovem tem mesmo inscrição em Coimbra.
Quer ser cardiologista e ficará instalado no S. Teotónio, enquanto estudante. Ganhou mesmo uma bolsa de estudo de um canal televisivo português.
Naquele dia, para ele, não haveria feriado. Tinha que estudar para subir uma nota. O 18,2 não o satisfez...(!!)

Conversámos mais um pouco e despedi-me com pressa.
Queria ainda apanhar a recepcionista para corrigir o juízo precipitado. Não foi preciso muita conversa. Foi por lá que ele começou a procurar... E a recepcionista também já estava esclarecida. E orgulhosa.

Do jovem, nem o nome fixei.
A lição foi grande e, sem traumas, aqui a partilho.
Em homenagem a este a outros jovens cabo-verdianos, que lutam de forma única para vencer obstáculos.
Para estudarem.
Para serem grandes, num país pequeno, mas com alma gigante.
Num país que continua a acreditar no futuro.
Um país com esperança!

Claro que devolvi o dinheiro ao estudante. Sem necessidade de factura de volta.
E deixei um obrigado implícito pela lição.


Não julgues para não seres julgado.
Ajusta-se aqui e muito bem, a palavra do Outro!

António Rodrigues
21 de Janeiro de 2012