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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Nós, Natureza! - Que conceito?

Abordar a temática “A variabilidade dos conceitos de natureza” é desafio complicado, precisamente porque esta questão tem diversas interpretações e os mais variados enquadramentos, fruto da evolução secular do Homem e, com ele, da evolução da ciência e da história que ele próprio construiu. É, sem dúvida, uma temática e uma discussão de séculos.

Por isso mesmo, epistemologicamente, existem os mais variados conceitos todos eles com a marca dos tempos, de interpretações influenciadas pela própria emancipação do Homem face a “selvagem” natureza. Em minha opinião, é mesmo nesta capacidade de emancipação, que não independência face à natureza, que reside um dos factores determinantes dos conceitos em estudo. Quer no séc. XIX, quer no séc. XX, quer actualmente, encontramos sempre uma variabilidade de conceitos, marcada pela génese civilizacional de cada sociedade, assente em cada um do seu contrato social.

A natureza marca o Homem e, por isso, ajuda a determinar e muito, os seus conceitos de cultura e a sua capacidade de interagir com a própria mãe natureza. A evolução civilizacional é, em minha opinião, fonte permanente da variabilidade do conceito de natureza, pelo que me parece adequado afirmar que a cada civilização, corresponde o seu ou seus conceitos de natureza.

E, quando não há uma demarcação evidente da natureza, por outras palavras, quando a dependência do Homem é quase absoluta em relação a ela, como ainda hoje acontece em muitos cantos do planeta, estaremos então perante conceitos muito empíricos e clássicos da natureza em que o Homem se confunde com ela, e por isso, o conceito de natureza confunde-se com o conceito de cultura.

Vyggotski lembra-nos o menino Victor de Aveyron que viveu perdido na floresta e encontrado anos mais tarde, profundamente marcado pela experiência de total dependência da natureza. Apesar de todas as questões então colocadas em torna desta história, a verdade é que este acabou por ficar um exemplo clássico da relação da natureza e da cultura. Coloca-se pois a questão das condições de vida e o meio ambiente que nos acolhe na hora do nascimento tal como aconteceu com o menino Victor e que nos marca de uma forma inequívoca.

No outro extremo da variabilidade do conceito, podemos “cair” na análise nos dias hoje e projectar que conceito actualmente teremos de natureza. Para falarmos da realidade ocidental, o mundo dito evoluído e civilizado da Europa, teremos vários conceitos de natureza. Falamos duma realidade social transversal a todo o continente europeu, em que as preocupações ambientais são politicamente evidentes, quiçá uma forma moderna de apelidar a mãe natureza e as preocupações que ela nos dá.

Com os progressos sociais e políticos que marcam a nossa civilização, a ocidental, há um inequívoco distanciamento da natureza em que esta se confunde com a urbe. Uma urbe cada vez mais assente nas trocas sociais e nas experiências muitas vezes importadas de outros recantos… de outras naturezas. Como defendeu Lévi-Strauss “é como proporcionar um status maior à cultura, considerando-a em certa autonomia com a natureza”[1].

Eis uma forma sintética equacionar delinear o pensamento primitivo e o dito “civilizado” em que a variabilidade do conceito de natureza tem aspectos tão diversos quanto comuns, mas em minha opinião, sempre com a marca que o Homem, ao nascer, acolhe de uma forma natural, com o seu espírito genético de lugar que com ele viverá e conviverá para sempre, mesmo que enquadrado noutros campos de acção, noutras sociedades sujeitas às trocas de experiências sociais.

O Homem é um animal eternamente marcado pela natureza. A natureza que o molda e ajuda a formar a sua cultura. Não é por acaso, que em muitas histórias de vida, a grande alegria acorre, quando o homem regressa às origens, à sua cultura…

António Rodrigues




[1] A relação natureza e cultura : o debate antropológico e as contribuições de Vygotski


3 comentários:

  1. Deixo a minha modesta opinião sobre um tema a que dedico algum interesse.
    O valor intrínseco da Natureza é condicionado pelas convicções filosóficas, religiosas e até políticas de cada um. Deverá a Natureza estar à livre disposição do Homem, para satisfazer as suas necessidades? Estarão os seres humanos num nível superior em relação às restantes coisas da Natureza? Ou o Homem fará parte integrante do todo que é a Natureza, tendo esta um valor próprio independente da existência humana?
    Já não é possível considerar a protecção da natureza como um objectivo decretado pelo Homem em benefício exclusivo do próprio Homem. A Natureza tem de ser protegida em função dela mesma, como um valor em si, e não apenas como um objecto útil ao Homem.
    Com efeito, o biocentrismo possui actualmente uma fundamentação filosófica sólida, no sentido em que os seres vivos são um bem próprio em si mesmos, por constituírem «entidades teleológicas inseridas num contexto biológico e evolutivo que os faz orientados para a sua autopoiese (auto-produção) e para a compleição do seu ciclo biológico», o que «os dota de interesses eticamente relevantes e de valor intrínseco».
    O mesmo se pode afirmar, mutatis mutandis, relativamente ao que poderíamos designar por geocentrismo, na medida em que, pelas mesmas razões, também a geodiversidade tem um valor próprio, inserida num contexto evolutivo, que a dota de interesses eticamente relevantes e de valor intrínseco.
    Questão diversa e mais complexa é a de determinar a quantificação do valor intrínseco. O valor intrínseco não pode ser colocado em termos radicais de tudo ou nada. Existem gradações, existe uma escala de valores, dado que o valor intrínseco da natureza varia muito conforme o seu objecto.
    Um abraço.

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  2. Somos parte integrante da Natureza. Qualquer dinâmica anti-natura proveniente do Homem, não é mais que uma auto-mutilação e que termina sempre em suicídio. Nunca ganhamos com isso. Aliás, quem ventos semeia, tempestades colhe. Por fim lá está ela, a natureza, de novo exuberante num novo ciclo para mais uma outra primavera. Aconselho a ver-se este pequeno video:

    http://vimeo.com/12568491

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  3. A espécie humana, um produto já tardio das forças da Natureza (ou de “deuses” construtores da Natureza), é neste período terrestre, a forma física mais evoluída, e a única (ainda) a dispor do princípio mental; mas jamais deixará de ser um elemento dessa Natureza e provavelmente nela se desintegrará um dia, continuando esta no futuro a construir novas formas (visíveis ou invisíveis). A concepção antropocêntrica do mundo, que sendo obviamente a que mais nos satisfaz e para cuja sustentação vamos construindo todo um quadro racional de representações sociais, constituiu uma ilusão, temporária, que cedo ou tarde a Natureza se encarregará de dissipar. Até lá o melhor é a sociedade humana se entender com ela de uma maneira pacífica e construtiva, de forma respeitadora e sem excessos, pois ela seguirá o seu curso inevitável, quer gostemos do que vem a seguir, quer não.
    Um psicólogo social muito dedicado a esta temática (Serge Moscovici) escreveu no seu livro já de 1972 - La société contre nature, Union Générale d’éditions, 1972 / Seuil, 1994 - uma boa síntese desta problemática:

    “O retorno à Natureza é um panaceia…a falta de Natureza provoca a existência da sociedade; o excesso de sociedade conduz à reintegração na Natureza…O homem não pode viver nos dois estados: ou está na sociedade ou está na Natureza. A ruptura com a primeira atira-o automaticamente para a segunda”.

    Podemos ter alguma influência, benéfica ou nefasta (e mais nefasta que benéfica ultimamente) sobre os ciclos naturais de curto prazo, intercedendo a nosso favor durante certo período, mas não podemos impedir que a Natureza prossiga inexoravelmente o seu caminho criando novos mundos, novas espécies e novos sentidos.



    Cumprimentos
    Mário de Deus, 2010-09-3

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