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Princesa

sábado, 2 de outubro de 2010

Transnacionalismo ou diáspora?

Quando chegamos à ilha de Santo Antão em Cabo Verde e entramos pela vila de Porto Novo, deparamo-nos com uma homenagem à diáspora crioula, expressa naquela mãe de pedra feita, com o filhote choroso enrolado às saias maternas, num gesto de dor e saudade, expresso no lenço que voa ao vento, num olhar triste no horizonte que se perde na imensidão do oceano. É assim esta mulher cabo-verdiana que acena com o lenço para o marido que parte. Também podemos recorrer ao Chiquinho de Baltazar Lopes e percebermos porque é que o cabo-verdiano prefere o termo diáspora ao termo emigração. Bem sabemos que o termo diáspora provem do tempo dos hebreus dispersos pelo mundo, fruto do “castigo de Deus pela sua rebeldia e idolatria”. Ou seja, o termo aparece, desde logo, associado ao sofrimento e à dor, à separação e á dispersão da família. E a toda esta vertente se associa um pormenor que, em minha opinião, difere do sentimento do emigrante: a diáspora mantém, arreigada à sua caracterização, o estigma da dúvida do regresso às origens. Será que se regressa? E quando? Foi assim com os hebreus e é assim com os africanos em geral e com os cabo-verdianos em particular.

O emigrante, e lembrem-nos dos nossos emigrantes, têm sempre uma convicção e uma aposta, que é precisamente o regressar a casa, quando atingido o objectivo que esteve na base da saída. Há pelo menos a convicção de periodicamente visitar as origens.


Hoje, mais do que nunca, a globalização provocou uma onda de mobilidade, verificando-se através do fenómeno migratório, o efeito social dos vasos comunicantes, em que os países ricos vêem compensada a sua reduzida (e em alguns casos inexistente) taxa de crescimento demográfico, e os países pobres vêem uma porta aberta para colmatar o drama da sua pobreza endémica. E é nesta amálgama de transnacionalismo que emergem fenómenos migratórios que cada vez mais caracterizam o mundo de hoje.


Tenho um conceito que o tempo me ajudou a formar - bem ou mal - mas ajudou. Aliás, Castles ajuda-me, naturalmente, a arrumar as ideias naquela que é para mim a evolução do processo emigratório para um processo transnacional. Esta evolução assenta nos conceitos de práticas de vida e de relação com os países, quer de origem, quer de acolhimento. Vão longe os tempos em que os países de emigrantes ignoravam, ou pelo menos não apoiavam de uma forma clara, todo o processo emigratório. E, por outro lado, os de acolhimento não assumiam uma verdadeira política social de apoio à integração dos seus imigrantes. O emigrante de ontem é o transnacional de hoje. Por um lado, e da Europa falando, porque caíram as fronteiras e é livre a mobilidade de pessoas, o que parece tornar-se um paradoxo falar em transnacionalismo, numa Europa que se quer unida.


Hoje, o emigrante, vivendo e trabalhando noutro país, está como que em sua casa. Porque é mais fácil a articulação e a integração com os cidadãos do país de acolhimento e porque é mais fácil a comunicação com os concidadãos do país de origem. O transnacionalismo é, por isso, um fenómeno das cidades globais, como refere Castles. É um fenómeno que faz acrescer ao conceito tradicional de emigrante, a lógica do emigrado sempre em casa. È fácil ir e vir. É muito mais fácil, hoje, combater as distâncias que implicam todos os processos migratórios. Pode ser visto numa amálgama de multiculturalidades como que formando um transnacionalismo local, no contexto da referida cidade global.


Os países, os estados-nação, têm hoje uma visão muito mais séria e atenta sobre estes fenómenos. Por um lado, porque o país do emigrante quer manter laços efectivos e afectivos com os seus cidadãos, garantindo-lhe todo o tipo de ligação à nação que os viu nascer. De resto, em muitos casos, o impacto das remessas dos emigrantes é de tal forma importante nas finanças de alguns países, que acabam por ser as receitas determinantes para as políticas de desenvolvimento. Cabo Verde vê nas remessas da sua diáspora a principal fonte de receita para que o país se desenvolva e progrida.


Por outro lado, os países de acolhimento procuram um apoio a estas comunidades, criando redes sociais, que interagem com as instituições de apoio aos imigrantes no seu processo integratório.


O transnacionalismo, nas cidades globais, pode ter vertentes opostas: a positiva e a negativa. Quem vive na diáspora, aqui vista num conceito de um processo doloroso de emigração, tem mais dificuldades de integração e vê-se muitas vezes remetido para comunidades transnacionais, vítimas de marginalização e de diferenciação negativa. Assim nascem comunidades transnacionais que se auto-acolhem nas suas tradições e culturas, a que muitas vezes associam também a componente política e religiosa. Esta é, em minha opinião, a face negativa do fenómeno do transnacionalismo. Mas, se o país de acolhimento tem melhores politicas de integração e está mais atento ao fenómeno, então permite e até fomenta a criação de comunidades transnacionais, que são devidamente acompanhadas na defesa dos seus valores sociais e humanos.


Num caso e no outro estamos sempre perante um fenómeno social, em que as comunidades transnacionais assumem o sentimento simultâneo de desterritorialização e reterritorialização, assente na particularidade de, apesar de tudo, serem comunidades com forte ligação a ambos os países, muitas vezes com dupla nacionalidade, com família e amigos nos dois “lados da fronteira”. E conseguem ser fiéis e leais a ambas as suas nações.


Tudo isto, seja transnacionalismo, diáspora ou emigração, estes últimos conexos ao primeiro, é consequência de um mundo cada vez mais global, em que a mobilidade da mão-de-obra é consequência de um liberalismo económico em que vivemos, havendo quem lhe chame também de neo-capitalismo.


O transnacionalismo é um fenómeno social que veio para ficar, muito em particular nos países mais ricos e desenvolvidos. Mas não só...

António Rodrigues

1 comentário:

  1. Gostei muito desta sua análise e partilho consigo a preocupação com o aspecto negativo daquilo a que chama transnacionalismo. Infelizmente, a maioria dos países de acolhimento acordou muito tarde para as boas políticas de integração e os descendentes dos emigrantes, desenraizados de um e outro lado, sentiram-se tentados a procurar o caminho mais fácil para a inclusão, com consequências muitas vezes dramáticas para todos, porque dificultou o desejável crescimento enquanto cidadãos conscientes e responsáveis, ao mesmo tempo que coarctou os benefícios evidentes da multiculturalidade.

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