A mais pequenina

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Princesa

sábado, 6 de dezembro de 2014

Judite e Ronaldo


As televisões portuguesas, por sistema, mostram-nos a miséria, a desgraça e tudo que de negativo temos. Somos assim… gostamos de nos miserabilizar, mais parecendo proibido termos acesso às emoções do que de bom acontece na nossa terra.

 Ontem e hoje foi diferente.

Judite e Ronaldo deram-nos o exemplo de uma carga sentimental genuína, em que se comunga emotivamente a desgraça dela, com o ícone que ele é.

São portugueses que entram na nossa casa todos os dias e que fazem parte do nosso colectivo.

Judite Sousa mostrou a face da dor e, muito em especial, no que a dor profunda é capaz de transformar o sofredor. Com a dor de Judite, percebemos melhor e em directo, a dor de tantas “Judites” que, como ela, sofrem por esse país fora a drama supremo da perca de um filho.

Ela foi corajosa e inspirou.

Ele, o exemplo de quem não tem vergonha das suas origens e faz delas com parcimónia, a referência do seu ponto de partida. É o exemplo do profissionalismo e da exigência com que encara a sua actividade. Por isso é campeão e o melhor. O melhor da Europa e o melhor do Mundo.

Hoje, na TVI percebemos (ou não) a dimensão da vida na diversidade de emoções que ela nos oferece. Ele, no auge da sua carreira e do deslumbre afirmativo e ela, na cova da tristeza profunda. Foi fantástico perceber a ternura solidária da forma em como Ronaldo olhava e respondia a Judite, e arrebatadora a coragem e a força com que aquela mulher encarou o jovem entrevistado.

Este par de Portugueses ensinou o país a melhor perceber os contrastes da vida. A tristeza suprema fruto da desgraça maior, de mão dada com a força da vida, assente na esperança de que tem 29 anos.

Tal como o malogrado filho da jornalista. 

António Rodrigues  

 

O Abraço de Timor à Guiné Bissau

O abraço de Timor Leste à Guiné Bissau, passou despercebido aos Portugueses. E ao mundo político em geral. Mas não ao Povo timorense e, muito menos e em particular, ao guineense.

Porque o abraço foi bom, foi exemplar e, acima de tudo, porque foi uma bofetada para muito boa gente da área política, ele foi calado… ignorado!
Da Guiné estamos habituados a más notícias… de resto, em Portugal, só se divulgam as más notícias. Chafurdamos com o pessimismo e quase nos obrigam a ignorar o que de bom se faz.

Por cá e por lá.
Segundo Xanana, foi um gesto de gratidão para com a Guiné, e Timor enviou para aquele pequeno país, o que de melhor actualmente tem: homens e mulheres do seu povo e, com eles, o que de melhor aprenderam nos 13 anos que levam de independência ou seja, a experiência em processo de recenseamento e actos eleitorais.
Como há dias dizia Luís Amado em entrevista a RR, Xanana instalou uma autêntica Secretaria de Estado em Bissau, com o objectivo de promover todo o processo eleitoral naquele quase abandonado país da CPLP.

Os chamados grandes países “rosnaram” com a ideia e, no silêncio, Timor foi criticado… Dinheiro mal gasto, tudo vai correr mal, vai ser um fracasso… melhor ficassem em Timor… mas Xanana seguiu em frente, mantendo corajosamente o seu gesto solidário para com o sacrificado povo da Guiné Bissau.
Em Bissau, a chefiar as dezenas de técnicos e administrativos timorenses, ficou Tomás Cabral, Secretário de Estado da Descentralização Administrativa, que assumiu a representação do Estado Timorense naquelas terras de áfrica.
E foram oito meses de intenso trabalho e milhões de dólares investidos por Timor neste processo. Com as “máquinas às costas” calcorrearam montes e montanhas e, de aldeia e em aldeia, promoveram o recenseamento e, com ele, a preparação dos actos eleitorais. Com os computadores, as máquinas para emissão dos cartões eleitorais e, com elas, o espirito da solidariedade para com um povo dela bem carente, tudo paulatinamente, foi conseguido. Tudo!

Vieram os actos eleitorais, que poucos acreditavam se desenvolvessem com êxito e sem incidentes.
Foram três eleições: Para o Parlamento guineense e, também, para a Presidência da República, esta com duas “voltas”…

Lemos ou ouvimos notícias? Muito poucas e curtas.
E as que houve, quase sempre ignorando o papel determinante de Timor Leste, que também teve em Ramos Horta o representante oficial da ONU naquele país.
Muitos dos que antes olharam com desconfiança e até desdém, o papel e o contributo de Timor, foram obrigados a vergar e, mais do que isso, a aprender a lição. A lição de dois pequenos países onde há gente grande, de coragem e de saber. E de querer!

Os resultados eleitorais foram rápidos e serenos. Ninguém pôde ou pode questionar a liberdade, o rigor das eleições e a verdade dos resultados finais.
Tudo foi quase perfeito e a Guiné é hoje um Estado de Direito aos olhos do Mundo.
Este sim, o verdadeiro espírito da Lusofonia e a entreajuda que deve nortear o caminho político da CPLP…

E será a Díli a receber no próximo dia 23 de Julho a cimeira da CPLP, que o Governo de Timor prepara com dedicação, afinco e entusiasmo.
Tudo isto que parece ter passado ao lado da opinião pública e publicada, mas em Timor e na Guiné, foram escritas páginas de história que ambos os Povos merecem e das quais se devem orgulhar.

Parabéns ao Povo da Guiné!
Parabéns a Tomás Cabral

Parabéns a Xanana!

António Rodrigues
 

O morcego e o passarinho


É pelo menos incómoda, acima de tudo para quem vive de mais perto as coisas da política partidária e não só, a situação criada com a trapalhada da votação das subvenções vitalícias.
Há que ser coerente!
Num país em que os reformados têm sido espoliados dos seus direitos e os mais jovens são convidados a emigrar na procura de melhor vida, choca que o PS tenha ido neste engodo… e nesta confusão.

Sim, confusão!
Porque a haver razões de equidade e de justiça nesta intenção, então que se explicasse bem o que está em causa e que não se deixasse passar a imagem de, mais uma vez, os políticos só se entenderem quando toca a “coçar para dentro” e a defenderem os seus interesses.
Sim, porque se o PS em questões se interesse nacional, raramente e muito bem, se entendeu com esta maioria que nos desgoverna, ficamos com a boca a saber a jornal quando ele aparece coligado a este adversário neoliberal e o mais desumano do pós  25 de Abril … ainda se estivesse em causa o tal interesse nacional…vai que não vai…  há que explicar melhor… para melhor se perceber.
Como dizia o outro, “passarinho que acompanha morcego amanhece de cabeça para baixo…

Haja pudor!

António Rodrigues

Se isto não é Amor


História verídica, narrada com dificuldade e sem contornos de qualquer tipo de romance.
Setembro de 2014
Aeroporto de  Schiphol de Amesterdão.

Vindo de Timor teria que por ali esperar cinco horas até apanhar avião para Lisboa. Num bar apinhado de gente de todas as raças e origens, sentei-me na única mesa disponível.
Fiquei só e entretido na leitura.
Passados breves momentos, levantei os olhos e percebi que teria companhia.
Um casal aproximou-se.
Surpreendi-me porque a senhora vinha em cadeira de rodas, conduzida pelo companheiro.
Ambos, sem o parecer, terão mais de 70.
E ambos elegantes e bonitos. Ela, apesar de tudo, tem a memória física de uma jovial beleza que o tempo disfarçou, mas não matou.
A senhora tem problemas de saúde e sérios. A sua expressão de profunda tristeza, estampava-se numa cabeça trémula, que deambulava quase descontrolada sobre os ombros magros. Mas elegantes, como toda ela. 
De olhos azuis, por vezes escondidos pelo cabelo louro que desordenadamente lhe caia sobre a face, com a ajuda do companheiro, levantou-se da cadeira. E, nesse instante, o susto foi ainda maior… o desequilíbrio era tal, que parecia que cairia a todo o momento. Dava essa impressão, mas os pés estavam bem colados ao chão e isso era a garantia da sua segurança.

Ficaram ambos à minha frente naquela estreita mesa de madeira. Que não esquecerei e onde voltarei…
Ele levantou-se e sempre com o olho nela, foi ao balcão buscar água.
Dois copos de plástico na mesa. O dela com palhinha.
O esforço que ele fez para lhe conseguir colocar a palhinha. Mas conseguiu e ela, com muita dificuldade, sorveu a frescura da água. Acto contínuo, ela com a cabeça sempre deambulando, estendeu o trémulo braço direito dirigida à face do marido e, com a mão bem aberta, acariciou-a. Ele responde-lhe com um olhar penetrante de “estranha” felicidade, com uns olhos que brilhavam como duas pérolas.

Pediu mais água e ele repetiu o gesto. Ela voltou com a mesma ternura, a mesma mão, o mesmo gesto. Ele sorriu. Ela sorria.
Perguntou-lhe se queria chocolate. Sim, foi a resposta.
Sentado, já com o pequeno chocolate, levou-o à boca e trincou-o. Molhado com a sua saliva, tentou e conseguiu com a ponta dos dedos, colocar-lhe na boca aquele pedacito… percebi o pormenor da saliva… a sua preocupação para que ela não se engasgasse. E ela de imediato lhe agradeceu com a carícia mais linda que se pode imaginar… aquele braço trémulo de novo se esforçou para que ele lhe oferecesse os olhos brilhantes de felicidade. Azuis, como os dela. Louro, como ela. Desta vez, para além da face, também a perna dele mereceu um gesto trémulo, mas lindo.

E os gestos, de ambos, repetiram-se até não haver chocolate.
Passaram-se poucos minutos... o diálogo era pouco (ela tem dificuldade em se expressar) e aconteceu o desagradável…

A senhora teve uma sequência de inesperados espirros e a sua face ficou banhada do ranho que o nariz expulsou… a vergonha foi grande. Corou e conseguiu com as mãos esconder a face bonita…e o resto. Simultaneamente, grossas lágrimas caiam-lhe e misturavam-se com a oferta do nariz. A senhora chorava. E chorava… 
Ele, sereno mas rápido, levantou-se e foi buscar guardanapos de papel.
Com a maior ternura do mundo, de cócoras, limpou-lhe a face e, meigamente, limpou-lhe os olhos e devolveu-lhe a beleza e a memória de outros tempos. Olhou para ela com um grande sorriso, puxou-a a si, abraçou-a e deu-lhe um expressivo beijo naquela testa coberta de cabelo desgrenhado.  

Que beijo aquele… e a senhora voltou a sorrir…
Ajudou-a a levantar-se. Mais uma vez temi que caísse.
De mão dada afastaram-se lentamente.

Não me esquecerei desta cena: a de uma mulher que caminha de tal forma, que mais parece forçadamente puxada pelo companheiro… que se perdeu no meio da multidão do aeroporto de Amesterdão… talvez com destino ao Oriente…
Se isto não é Amor!...   

António Rodrigues

Mindelo – CV – 16.10.2014