A mais pequenina

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Princesa

sábado, 13 de novembro de 2010

O outro


Escreve Boaventura de Sousa Santos:

“É na medida em que o multiculturalismo como descrição das diferenças culturais e dos modos da sua inter-relação se sobrepõe o multiculturalismo como projecto político de celebração ou reconhecimento dessas diferenças que ele tem suscitado criticas e controvérsias, vindas tanto de sectores conservadores como de diferentes correntes progressistas da esquerda”

O sociólogo tenta enquadrar numa óptima de linguagem ou interpretação política, o conceito do multiculturalismo, criando de certo modo a dicotomia direita/esquerda, para separar as águas comportamentais das reacções das sociedades ditas modernas face a este moderno fenómeno que atinge os estados nações. Arrisco-me, e de que maneira, a discordar deste raciocínio. Esta questão de aplicar o conservadorismo e a esquerda na apreciação ao comportamento social de determinada sociedade face a coexistência de diversas culturas num mesmo espaço, não me soa bem.

Por um lado, porque hoje, também devido à globalização, é mais do que óbvio questionar o conceito de esquerda e de direita, e, por outro, porque esses conceitos, estiveram e estarão sempre mais imbuídos para questões das disputas de interesses de classes antagónicas nas suas vertentes económicos, sociais e políticos, e também, muito em especial, porque estes conceitos são muito, muito anteriores ao fenómeno das migrações tal como hoje as vemos. E, por isso, parece-me desajustado ir por este caminho. Bem sei que há dois ou três séculos atrás, para não recuar ainda mais no tempo da história, também houve mobilidade de grupos e até de povos, mas o espírito de então, em minha opinião, era mais o da conquista, da guerra e da ocupação territorial, do que o espírito pacifista das migrações que estão na base do multiculturalismo.

Comprometer os conservadores por terem uma visão crítica na apreciação ou depreciação que fazem sobre determinada cultura “infiltrada” no seio da sua sociedade, olhando-a com superioridade, tendo muito de verdade, não será exclusivo duma direita, ainda em muitos casos ferida pela perca do império, saudosista do colonialismo e, por isso, ainda marcada pelas agruras da história.

Há por aí muito boa gente que se assume de esquerda nas questões políticas e sociais do seu estado nação, mas que convive mal com outras culturas e outras raças, por uma série de factores intrínsecos a cada um dos intervenientes. Se quisermos analisar tudo isto na óptima da extrema-direita e da extrema-esquerda, aí, inequivocamente que B.S.S. tem toda a razão.

Conviver com outras raças e outras culturas, que nada nos dizem, é muito mais uma questão intrínseca de cada cidadão, que está muito acima de qualquer conceito político de esquerda ou de direita. Sou um defensor consciente dos valores da multiculturalidade e, mais do que isso, de políticas de assimilação que salvaguardem de uma forma clara, a dignidade humana e os direitos da liberdade de cada um dos imigrantes, em que, valha-nos isso, Portugal é exemplo no mundo. Este não me parece um valor de esquerda ou de direita, mas um valor do humanismo em que deveria assentar toda a nossa relação com o outro.

O respeito pela diferença, a compreensão pelos problemas do outro, a cooperação que fizermos e que estiver ao nosso alcance, as portas que abrirmos para que o outro encontre um sorriso e veja que o sol também para ele nasceu, nunca poderá, em minha opinião, ser um conjunto de valores propriedade de nenhuma esquerda ou direita ou de outro qualquer conceito político, muito menos paternalista, antes valores do humanismo e da liberdade.

Quero ainda acreditar que a liberdade e o humanismo, são valores políticos transversais inerentes a todas as filosofias políticas que têm por objectivo melhorar a vida do cidadão e das comunidades em que vivemos.

António Rodrigues

3 comentários:

  1. O meu aplauso para a clarificação.
    Apoio o multiculturalismo, defendo o humanismo e a liberdade.
    Parece útil clarificar também a diferença entre liberdade e libertinagem, não vá o abuso desta matar a liberdade.

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  2. Neste mundo controverso há a necessidade de clarificar opniões:
    Defendo igualmente o respeito pela diferença, a compreensão pelos problemas do outro, a cooperação que fizermos e que estiver ao nosso alcance, as portas que abrirmos para que o outro encontre um sorriso e veja que o sol, tambêm
    nasceu, para ele.

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  3. Multiculturalismo

    AR apresentou desta vez uma temática que abarca questões sociais cuja evolução virá a ter um impacto decisivo na futura composição e organização das comunidades. O processo de integração multicultural vem-se intensificando, impulsionado pela globalização dos meios de transporte e das comunicações, da liberalização do comércio, do movimento de capitais e do mercado de trabalho. Esta mundialização, incluindo a sua componente de interacção racial e cultural, manifesta-se numa dinâmica autosustentada, obrigando as comunidades locais a confrontarem-se com novas manifestações grupais, para as quais não se encontravam preparadas. Enquanto os agentes políticos e governamentais procuram perceber a relevância nacional e transnacional do fenómeno, já os cidadãos no seu dia-a-dia se confrontam com estas novas realidades. Concordamos como AR que estão em causa valores que não são “propriedade de nenhuma esquerda ou direita ou de outro qualquer conceito político”, e que se percebe tendem mesmo a fragilizar a consistência das tradicionais concepções ideológicas, suscitando a adopção de medidas de cujo resultado só os intervenientes no processo podem ajuizar.

    Sendo um facto que os sistemas políticos democráticos (parlamentares e laicos), procuraram estabelecer uma regulamentação jurídica adequada à sustentação das minorias étnicas/religiosas (na perspectiva de uma progressiva integração), a partir do momento em que essas comunidades passam a ter um enraizamento geracional e um relacionamento mais intenso com as regiões de origem, torna-se difícil evitar o surgimento de confrontos de interesses, lícitos e ilícitos (económicos, culturais, religiosos), que podem mesmo degenerar em manifestações subversivas da “ordem pública”.

    Se, por um lado, uma defesa incondicional pelo Estado da liberdade de associação e manifestação cultural, pode dar oportunidade a aproveitamentos radicalistas ou a exigências inaceitáveis das novas comunidades, por outro lado, uma reacção restritiva dessas liberdades, particularmente em períodos de recessão económica, pode ser incentivadora de comportamentos reaccionários e xenófobos, da parte dos grupos maioritários. Neste aspecto tanto podem ser geradoras de conflitos as atitudes demasiado integradoras pelas maiorias como as demasiado segregadoras pelas minorias.

    Nesta gestão de um delicado equilíbrio de forças, os Estados (democráticos), não podem deixar de manter a sua organização e coesão, definindo as regras e fazendo executar com imparcialidade as medidas para uma boa convivência e tolerância, num espírito de solidariedade social, mas também de respeito pelo Estado de direito. Melhor Justiça, melhor Educação, melhor Saúde, é uma qualidade a que nestas áreas devemos dar atenção prioritária, e que em particular, às autarquias e instituições públicas e privadas locais, cabe dar respostas visíveis no terreno. Nem à esquerda nem à direita, talvez mais ao centro.
    Façamos o nosso trabalho, para que as crianças multiculturais de hoje possam edificar o novo mundo de amanhã (uma nova sociedade, uma nova religiosidade, uma nova culturalidade).

    Também desta responsabilidade os portugueses ainda não foram libertados (relembrando o Infante, Camões, Mendes Pinto,Vieira, Pessoa, Agostinho da Silva e muitos outros emigrantes).


    Mário de Deus

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